Verso e Prosa

Para ouvir Elis

O melhor que poderia acontecer com Elis, a cantora, foi a morte de Elis, a pessoa. Para os seus parentes, amigos e familiares isto é certamente controverso, e talvez de gosto duvidoso. Mas que fique claro que falo do ente puramente conceitual, numa divisão tão bem perseguida pelo Édson e pelo Pelé.

Se viva, deveria melhorar, indefinidamente Não tem a desculpa de Pelé e de todo jogador de futebol que têm uma hora para parar. Por mais que eu aguarde, Gal não consegue repetir, em mim, o efeito que tinha antes. Cordas vocais, e sobretudo vontades também se cansam. Merecido descanso depois do muito realizado.

Mas se as cordas e as vontades cansam, a música pode ganhar com a complexidade que adquirimos, com as nossas tristezas e manias. Basta olhar esta música, em versão de Elis e de Sandy. Como bem disse Beto, a menina ainda tem que levar muito chifre se quiser chegar lá. Para ouvir Elis, recomendo começar pela versão dela, ouvir a de Sandy e depois voltar apara Elis, e depois silêncio.

Elis Regina – Atrás da Porta

Sandy – Atrás da Porta

Numa outra mostra de como um Big Mac pode ser útil para melhor saborear um Steak au Poivre, têm estas duas explicações sobre Web 2.0. Uma delas é poesia, a outra, aula chata. Confiram.

Web 2.0 … The Machine is Us/ing Us

Web 2.0

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Pessoas

Para ser grande, sê inteiro:
nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim, em cada lago a lua toda brilha,
porque alta vive.

Fernando Pessoa

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Le Crapaud Noir

o sapo boi que eu engoli ontem está boiando dentro do meu estômago. e a insônia grudou nos meus olhos e deu à minha boca um gosto de febre.
às 10:34 em ponto, ela entrou no escritório, eu sei porque cada tique do relógio reverberava na minha cabeça como um ataque dos exércitos aliados.

susto. acho que ela teve essa impressão minha quando entrou no escritório. pelo menos foi mais ou menos com um pequeno sobressalto felino que ela me percebeu. os olhos dela pararam em mim como de um pequeno mamífero encurralado.

estranho como me lembro nitidamente deste episódio. aquela pequena sala, não lembro a cor das paredes, mas a vibração era de um cinza cimento, cinza concreto. acho que reconstruí a sala na minha mente de acordo com a imagem que faço dela.

não sei, isso é confuso. tenho certeza de que havia um ventilador grande, velho e empoeirado. e que o ventilador estava desligado.

atrás de mim, certamente havia uma janela, que me iluminou à frente dela como se eu fosse uma aparição. isso certamente a impressionou. lembro dela ter fechado a janela ao sairmos.

será que lembro ou construí isso em cima de alguma outra coisa ? naquele dia eu dei um passo dentro de um mundo do qual eu ansiava fazer parte. e do qual, meses depois, me desligaria.

mas que diabos isso tem a ver com o sapo boi que coaxa dentro do meu estômago?

pequena edição sobre trechos de S.i.s.s.i.
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Enquanto isso, há fome no mundo…

Domingo, ressaca. Banho. Acabou o sabonete. Olho debaixo da pia. Suspiro de Morango.

Vejo sobre a pia. Pêssego, Figo, Cacau + Frutas Vermelhas Cozinha, Banheiro ?


Não há duvida: Pêssego, sabonete hidratante.

Confuso e resignado volto ao chuveiro.

Busco pelo Shampoo. Girassol + Arroz: Condicionador. Maracujá: sabonete esfoliante. Castanha do Pará com mel: condicionador intensivo. Com granola deve ficar bom…

Finalmente, Amora + Sândalo: Shampoo Força… Tem também a opção Sem Sal

Fica a dúvida: hidratante corporal de iogurte de limão cura ressaca ?

Enquanto isso, há fome no mundo…

A situação é fictícia, mas As Coisas são reais.
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A beleza de uma obsessão

Acredito que invariavelmente as coisas belas são fruto de manias. É preciso estar num estado de permanente desconforto, de achar que mesmo com um Nobel debaixo do braço, de ter desvendado o DNA, é preciso partir para desvendar a mente humana.

O caminho trará recompensas e desculpas para a acomodação, sempre. Kasparov ganhou torneios regionais de xadrez antes de se tornar campeão mundial. Poderia parar por aí. Ele foi estimulado para o xadrez por seus pais, mas é interessante como, às vezes, certas obsessões podem ser transpostas, como Rainer Brockerhoff, desenvolvedor de software para Mac, que confessa ter herdado a mania de “de polir e aperfeiçoar ao máximo os … produtos” dos seus ancestrais marceneiros.

Dificuldades e barreiras intransponíveis também não vão faltar. Ilusões:

Não sabendo que era impossível, foi lá e fez.

Jean Cocteau

Campeão absoluto nas artes da superação e busca frenética pelo sublime nos mais diversos campos é o pianista João Carlos Martins. Pianista renomado, atormentado por acidentes e doenças nas suas mãos, pára, destaca-se no mercado financeiro, volta, pára de novo e assim até hoje, quando inicia uma nova carreira, como regente, tendo o status de “idoso” e quando seus discos de ouro certamente lhe garantem a aposentadoria.

O video abaixo é do excelente documentário A paixão segundo Martins. Assista, e depois, mude o mundo, ou pelo menos o seu. Movimente-se.

Hino Nacional – por João Carlos Martins – Documentário Die Martins-Passion
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As Coisas: espirais


Quero fazer uma poesia que ande em círculos
mas que não seja repetitiva

Quero fazer uma poesia 100% original
mas que seja uma homenagem ao que já foi feito

Quero fazer uma poesia que vá cada vez mais alto
mas que nunca se perca

Eu vou fazer uma canção de amor

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Vagar: 2 anos, em 1999

Vi uma chamada para uma reportagem sobre o caminho de Santiago e fiquei pensando:

O que pode haver em um caminho que o permita transformar as pessoas ?

Quando Colombo deixou o porto de Palos e chegou ao novo mundo, sacramentou a impossibilidade do ser humano ir a qualquer parte por si só.

Ao juntar o mundo, Colombo quebrou a sua continuidade. Definiu Velho e Novo Mundos. Dois em um único planeta. Para atravessar de um mundo a outro eram, e pode-se dizer que ainda são necessárias imensas naus, ou naves, como queiram.

Quando entramos nessas naus, carros, aviões, entre outras, sumimos num ponto e aparecemos em outro sem entender o ser um só, sendo vários. Perdemos parte importante do processo.

Assim, um caminho é capaz de juntar novamento o mundo, torná-lo uno. Mostrar-nos que o mundo de Santo Amaro é o mesmo que o mundo de Conceição da Feira, o mundo do Catete é o mesmo que o mundo de Ipanema, que o mundo de França é o mesmo que o mundo de Espanha.

Este é o valor de Amir Klink remar o oceano. Costurando novamente Velho Mundo e Novo Mundo.

Este é o valor do Vagar, que reconstroi o único meio de transporte não nave, o único meio de transporte que não permite a alienação do caminho, cujo o meio é tão fim quanto a chegada : O Andar.

Mas nem só de meios vivem os fins. Quem Vaga desloca-se ou apenas movimenta-se. E para deslocar-se é necessário movimento e fim.

Originalmente publicado em 07/08/1999 19:06, Aqui.

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TEDTalks: Rives

Tenho pensado, e relutado, um pouco sobre postar vídeos aqui no blog. Ainda acho que o texto tem uma relação mais democrático com o leitor. Exige a sua participação, ao mesmo tempo que permite que, num passar de olhos, ele possa decidir engajar-se ou não na leitura efetiva da coisa.

Mas este videozinho (tem apenas 3 minutos) é ótimo para falar do TED Talks, uma excelente dica de Camilo. Também é mais próximo da temática deste blog, enquanto as demais apresentações são um pouco mais tecnológicas. Confiram.

Three minutes of fast-paced, whip-smart wordsmithing from spoken-word artist Rives, who has some unconventional ideas about how the Internet should be run. By turn provocative, touching and flat-out hilarious, Rives is one of the most original talents on the spoken-word scene. He’s a gutsy poet who constantly pushes the limits of the genre: striving to reinvent the form, and find new contexts to make poetry relevant. Rives originally trained as an engineer, and he writes pop-up books for children on the side. (Recorded November 2006 in New York, NY. Duration: 4:15)

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Outras Coisas: Pintura Moderna como um Símbolo

Nosso ponto de partida é o fato psicológico de que o artista sempre foi o instrumento e o interprete do espírito de sua época. Em termos de psicologia pessoal, sua obra só pode ser parcialmente compreendia. Consciente ou inconscientemente, o artista dá forma a natureza e aos valores da sua época que, por sua vez, são responsáveis pela sua formação.

O artista moderno muitas vezes reconhece, ele próprio, a inter-relação entre sua obra de arte e a sua época. Assim escreve a respeito o crítico e pintor francês Jean Bazaine em suas Notas sobre pintura contemporânea: “Ninguém pinta como quer. Tudo que o pintor pode fazer é querer com todas as suas forças, a pintura que sua época é capaz.” E declara o artista alemão Franz Marc, morto na 1º Grande Guerra: “Os grandes artistas não buscam suas formas nas brumas do passado, mas sondam tão profundamente quanto podem o centro de gravidade recôndito e autêntico da sua época.” E, já em 1911, Kandinsky escrevia em seu famoso ensaio A Propósito do Espiritual em Arte: “Cada época recebe sua própria dose de liberdade artística, e nem mesmo o mais criador dos gênios consegue transpor as fronteiras desta liberdade.

Os artistas, como os alquimistas, provavelmente não se deram conta do fato psicológico que estavam projetando parte da sua psique sobre a matéria ou sobre objetos inanimados. Daí a “misteriosa animação” que se apossa destas coisas e o grande valor que se atribui até mesmo aos detritos. Os artistas projetavam suas próprias trevas, sua sombra terrestre, um conteúdo psíquico que tanto eles quanto sua época haviam perdido e abandonado.

Franz Marc disse um dia: “A arte do futuro dará expressão formal às nossas convicções científicas.” Foi uma afirmação profética. Já observamos a influência que exerceram sobre os artistas, nos primeiros anos do século XX, a psicanálise de Freud e a descoberta (ou redescoberta) do inconsciente. Outro ponto importante foi a relação entre a arte moderna e os resultados obtidos na pesquisa nuclear.

Em termos simples, não científicos, a física nuclear despojou as unidades básicas da matéria do seu caráter absolutamente concreto. Tornou a matéria misteriosa. Paradoxalmente, massa e energia, onda e partícula provaram sua permutabilidade. As leis de causa e efeito mostraram-se válidas apenas até certo ponto. Já pouco importa que todas as relatividades, descontinuidades e paradoxos só se apliquem aos limites extremos do nosso mundo, o infinitamente pequeno (o átomo) e o infinitamente grande (o cosmos). Provocaram uma mudança drásticas no conceito de realidade, pois uma realidade nova, e irracional e totalmente diferente, surgiu por trás da realidade do nosso mundo “natural”, regido pelas leis da física clássica.


Só alguns poucos artistas tomaram consciência da relação existente entre sua forma de expressão e a física e a psicologia. Kandinsky é um dos mestres que expressou a profunda emoção que lhe despertaram as primeiras descobertas da física moderna. “No meu espírito, o colapso do átomo foi o colapso de todo um mundo: de repente tombaram as minhas mais firmas muralhas. Tudo se tornou instável, inseguro e sem substancia.

Esta ruptura com o mundo das coisas aconteceu mais ou menos ao mesmo tempo com outros artistas. Escreve Franz Marc: “Não aprendemos, depois de milhares de anos de experiências, que as coisas falam cada vez menos quando lhes damos a precisão ótica de um espelho? A aparência será eternamente pobre de relevos…?

Para Marc, o objetivo da arte era “revelar a vida sobrenatural que existe por detrás de tudo, quebrar o espelho da vida para que se possa contemplar o verdadeiro rosto do ser”. E escreve Paul Klee: “O artista não atribui às formas naturais do universo aparente a mesma significação convincente dos realistas que o criticam. Ele não se sente intimamente ligado a esta realidade porque não consegue ver nos produtos formais da natureza a essência do processo criador. Está mais interessado nas forças formativas do que nas formas que estas forças produzem.Pietr Mondrian acusou o cubismo de não ter perseguido a abstração até sua conclusão lógica, “a expressão da realidade pura”. Isto só se consegue com a “criação da forma pura”, livre de sentimentos e idéias subjetivas. “Por detrás das mudanças das formas naturais existe a realidade pura, que não muda jamais.

Um grande numero de artistas tentou passar das aparências à realidade de um segundo plano, ou ao “espírito da matéria”, por um processo de transmutação dos objetos – através da fantasia, do surrealismo, das imagens oníricas, do acaso etc. Os artistas “abstratos”, no entanto, voltam as costas aos objetos. Seus quadros não continham objetos identificáveis, eram segundo expressão de Mondrian, nada mais que “pura forma”.

Nenhum artista sentiu esse segundo plano místico da arte mais agudamente ou falou a seu respeito com paixão mais intensa do que Kandinsky. A importância das grandes obras de arte de todos os tempos não repousa, a seu ver, “na superfície, no exterior, mas na raiz das raízes – no conteúdo místico da arte”. E por isto afirma: “O olho do artista deveria estar sempre voltado para sua vida íntima, e seu ouvido sempre alerta à voz da necessidade interior. É o único meio para dar expressão ao que a visão mística comanda.

Kandinsky descrevia seus quadros como uma expressão espiritual dos cosmos, uma musica das esferas, uma harmonia de cores e formas. “A forma, mesmo quando abstrata e geométrica, tem uma ressonância interior; é um ser espiritual cujas qualidades coincidem exatamente com aquela forma.” “O impacto do ângulo agudo de um triangulo com um circulo tem um efeito tão surpreendente quanto o dedo de Deus tocando o dedo de Adão, em Michelangelo.

Em 1914, Franz Marc escreveu em seus Aforismos: “A matéria é um assunto que o homem consegue, no máximo, tolerar; ele se recusa a reconhecê-la. A contemplação do mundo tornou-se a penetração do mundo. Não existe místico que, nos seus momentos de êxtase mais sublime, jamais alcance a abstração perfeita do pensamento moderno, ou que ausculte as suas ressonâncias com sonda mais profunda.

Paul Klee, que podemos considerar o poeta dos pintores modernos, diz: “É missão do artista penetrar o mais fundo possível naquele âmago secreto onde uma lei primitiva sustenta o seu crescimento. Que artista não desejaria habitar a fonte central de todo movimento espaço-tempo (esteja ele situado no cérebro ou no coração da criação), de onde todas as funções extraem a sua seiva vital? Onde se esconde a chave secreta de todas as coisas ? No ventre da natureza, na fonte original de toda a criação?… Coração a palpitar, somos levados cada vez mais apara baixo, em direção a fonte primeira.” E o que encontramos nesta jornada “deve ser levado muito a serio, desde que , combinado integralmente com os meios artísticos apropriados, desabroche em estrutura”. Porque, como acrescenta Klee, não é apenas questão de reproduzir o que se vê, mas de “tornar visível tudo o que se percebe secretamente”. Toda obra de Klee se inspira e se fixa diretamente nesta fonte original das formas. “Minha mão é, inteira, o instrumento de uma esfera distante. E também pouco é minha mente que age; é alguma outra coisa”.

Trechos do Livro O homem e seus símbolos, por Carl G. Jung
Texto de Aniela Jaffé

Fotos de Izolag
Indicação do texto e fotos, Ananda

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Outras coisas: Metalinguagem

Seu texto veio a calhar justamente como o tipo de coisa que eu estava querendo ler. Curto, arte, sólido. Lembrei das coisas que eu escrevia. Me perguntei se você escrevia da mesma maneira. Lembro que as vezes escrevia verborragicamente. À medida que fui envelhecendo, perdi a naturalidade e escrevia com muito mais trabalho que inspiração. Escrevia algo raciocinando, procurando dizer com menos palavras. Pensei que talvez você tivesse escrito duas ou três frases e, pensando melhor, teria reduzido em apenas uma. E, satisfeito, desligou o monitor e foi dormir. (me refiro à última frase, que realmente me absorveu – a satisfação de uma frase bem escrita sempre me é muito fisiológica)


Fiquei imaginando há quanto tempo havia escrito aquilo, em que momento da vida. Se tinha observado, ou passado por aquilo.Alguém que lhe viu, ou você como um terceiro olho? Como, o quê, quando…? De quem, aquele olhar ? É uma cena, estou certa de que aquilo partiu de uma cena que você observou. E daria tudo para agarrar essa cena, como quando eu via fotos de gente que havia morrido há pouco tempo e ficava tentando agarrar o exato momento em que aqueles sorrisos das fotos se fecharam em azul. Tento pegar, como se corresse para salvar a vida de uma pessoa num sonho, correndo ao lado de uma cachoeira, somente para descobrir, ao acordar, que procuro salvar minha própria vida – e não consigo.

Fiquei encantada que haja alguém com essa sensibilidade tão perto de mim. Suspirei aliviada por dois segundos. É o tipo de coisas que eu escreveria e ninguém nunca entenderia, estou certa disso.Entao, eis que alguém se adianta, não só entende, como escreve antes de mim! Ufa.

beijos,

Sissi Blue


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