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Gráficos Covid-19

Gráficos Covid-19

Gráficos postados diariamente no Twitter:

https://twitter.com/robertodepinho

1. Dashboard online interativo para comparação de Cidades, Estados e Países:

https://ascoisas.shinyapps.io/covid_dashboard/

2. Outros gráficos de Cidades, Estados e Países:

https://ascoisas.shinyapps.io/covid_ascoisas/

2.1 Gráfico conjunto de média móvel de casos e mortes de Cidades, Estados e Países

Plot object

https://ascoisas.shinyapps.io/covid_ascoisas/

2. 2 Evolução semana a semana

Ajustes de projeções exponenciais para períodos superpostos de 9(1+7+1) dias da média móvel de casos e mortes diárias. Números indicam o coef.(%) de crescimento diário

https://ascoisas.shinyapps.io/covid_ascoisas/

2. 3 Covid-19: Mortes Diárias com expectativa por dia da semana

Covid-19: Mortes Diárias com expectativa por dia da semana

3. Tutorial Interativo sobre Crescimento, Correlação e Causalidade e explicação de gráficos em log:

https://ascoisas.shinyapps.io/covid_tutorial/

4. Gráfico de Cobertura de Vacinação

Gráfico de Cobertura de Vacinação

5. Dados:

Brasil: @Brasil_io

Demais Países: @jhusystems

6. Histórico

Entre Março de 2020 e Junho de 2021 os gráficos e painéis estiveram generosamente hospedados pelo:

NBCGIB/CCAM/PPGMC/UESC
Núcleo de Biologia Computacional e Gestão de Informações Biotecnológicas,Centro de Computação Avançada e Modelagem,
Programa de Pós-Graduação em Modelagem Computacional em Ciência e Tecnologia
Universidade Estadual de Santa Cruz
Bahia, Brasil.

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Gráfico de Cobertura de Vacinação

Gráfico de Cobertura de Vacinação

No gráfico acima, cada ponto representa um país. O tamanho do círculo externo em preto representa a sua população total. O círculo interno, colorido, representa a população vacinada (que recebeu ao menos uma dose), em números absolutos.

A fonte dos dados é o Our World in Data. Nesta fonte, nem todos os países possuem do dado da população vacinada, apenas do número de doses administradas. Nestes casos, regressão linear entre a razão de vacinas e população e, respectivamente, a população vacinada com ao menos uma dose e a população com vacinação completa é utilizada para estimativa. São utilizados os dados do último dia disponível de cada país. Exibidos apenas países com mais de 1 milhão de habitantes.

Gráficos postados diariamente no Twitter em @robertodepinho

Outros gráficos disponíveis em: Gráficos Covid-19

Código em R*:



vaccminder <- function(lang = "pt"){
  
  #column selection
  selected_columns = c("iso_code", "location" ,"continent", "date", "population","total_vaccinations", "people_fully_vaccinated", "people_vaccinated")
  
  #read data
  df = read.csv("https://raw.githubusercontent.com/owid/covid-19-data/master/public/data/owid-covid-data.csv", stringsAsFactors = F)
  df = subset(df, !is.na(total_vaccinations))
  
  #keep only last day for each country
  last_date = aggregate(date ~ iso_code, df, max)
  colnames(last_date)[2] = "last_date" 
  df = merge(df, last_date, by = "iso_code", all.x = T)
  df_ld = df[df$date == df$last_date, selected_columns]  
  
  #calculation
  df_ld$people_vacc_ratio = df_ld$people_vaccinated / df_ld$total_vaccinations
  median_ratio = median(df_ld$people_vacc_ratio, na.rm=T)
  
  df_ld$people_fully_vacc_ratio = df_ld$people_fully_vaccinated / df_ld$total_vaccinations
  median_ratio_fully = median(df_ld$people_fully_vacc_ratio, na.rm=T)
  
  
  df_ld$people_vaccinated_est = ifelse(!is.na(df_ld$people_vaccinated), 
                                       df_ld$people_vaccinated, 
                                       df_ld$total_vaccinations * median_ratio)

  df_ld$people_fully_vaccinated_est = ifelse(!is.na(df_ld$people_fully_vaccinated), 
                                             df_ld$people_fully_vaccinated, 
                                             df_ld$total_vaccinations * median_ratio_fully)
  
    
  df_ld$non_vacc = df_ld$population - df_ld$people_vaccinated_est
  df_ld$people_vaccinated_per_hundred = df_ld$people_vaccinated_est / df_ld$population * 100 
  df_ld$people_fully_vaccinated_per_hundred = df_ld$people_fully_vaccinated_est / df_ld$population * 100 
  
  #translation list & df
  translation <- list(
       "title" = list("en" = "Vaccination Coverage", "pt"="Cobertura da Vacinação"),
       "people_1M" = list("en" = "People (millions)", "pt"="Pessoas (Milhões)"),
       "continent" = list("en" = "Continent", "pt"="Continente"),
       "vacc" = list("en" = "Vaccinated", "pt"="Vacinada"),
       "tot" = list("en" = "Total", "pt"="Total"),
       "pop" = list("en" = "Population", "pt"="População"),
       
       "vacc_100" = list("en" = "People vaccinated per hundred", "pt"="Pessoas vacinadas a cada 100"),
       "vacc_full_100" = list("en" = "People fully vaccinated per hundred", "pt"="Pessoas completamente vacinadas a cada 100")
  )
  
  continents = data.frame(continent = c("Asia", "Africa", "Europe", "South America", "Oceania", "North America"), 
                          continent_pt = c("Ásia", "África", "Europa", "América do Sul", "Oceania", "América do Norte"))
    
  #translate country names
  library(countrycode)
  df_ld$country_name = countrycode(df_ld$iso_code, origin = "iso3c", destination = paste("cldr.name.", lang, sep=""))
  df_ld = merge(df_ld, continents, by = "continent", all.x = T )
  if(lang == "en"){
    df_ld$continent_name =  df_ld$continent
    
  } else {
    df_ld$continent_name = df_ld$continent_pt
  }
  
  #chart
  library(ggplot2)
  library(scales)
  library(ggrepel)
  source("src/theme_black.R")
  
  #select chart data
  dfw = df_ld
  dfw = dfw[ substr(dfw$iso_code, 1,4) != "OWID",]
  dfw = dfw[ dfw$population> 10^6,]
  
  covidPlot = ggplot(data=dfw) 
  covidPlot = covidPlot  + ggtitle(translation[["title"]][[lang]])
  covidPlot = covidPlot + aes(x=people_vaccinated_per_hundred, y=people_fully_vaccinated_per_hundred, size = population/10^6, 
                              label = country_name)
  
  covidPlot = covidPlot  + annotate("text", label = "@robertodepinho", color= "grey50",
                                    x = 100, y = 0, vjust=0.1, hjust=1.1)
  
  covidPlot = covidPlot  + geom_point(aes(size=people_vaccinated_est/10^6, color = continent_name, shape = "vacc"), alpha = 1.0) 
  covidPlot = covidPlot  + geom_point(color="black", alpha = 1.0, aes(shape="pop") ) 
  
  covidPlot = covidPlot + geom_text_repel(hjust=-.2, vjust=.5, size=2.7) 
  
  covidPlot = covidPlot  +  theme_jf_2()
  covidPlot = covidPlot  + scale_size_continuous(name = translation[["people_1M"]][[lang]], 
                                                 range =c(1,20), 
                                                 limits=c(0,max(dfw$population/10^6)) )
  covidPlot = covidPlot  + scale_color_discrete(name = translation[["continent"]][[lang]])
  covidPlot = covidPlot  + guides(color = guide_legend(override.aes = list(size = 10)))
  
  covidPlot = covidPlot  + scale_shape_manual(name = translation[["pop"]][[lang]], 
                              labels = c(translation[["vacc"]][[lang]], translation[["tot"]][[lang]]),
                              values = c(16,1),
                              breaks = c("vacc", "pop"))
  covidPlot = covidPlot  + guides(shape = guide_legend(override.aes = list(size = 10)))
  
  covidPlot = covidPlot  + scale_x_continuous(labels =  label_comma())
  covidPlot = covidPlot  + scale_y_continuous(labels =  label_comma())
  covidPlot = covidPlot  + xlab(translation[["vacc_100"]][[lang]]) + ylab(translation[["vacc_full_100"]][[lang]])  
  covidPlot = covidPlot  + theme(legend.position =  "bottom") 
  
  return(covidPlot)
  
  
}

* Versão inicial. Nesta versão, a população vacinada com ao menos uma dose e a população com vacinação completa é estimada com base nas respectivas medianas da relação entre doses aplicadas e população coberta observada nos demais países.

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Ciência Brasileira: voando em pane seca?

Ciência Brasileira: voando em pane seca?

Todo avião, desde um Embraer Ipanema 203 a um Boeing 777 é capaz de voar mesmo que perca todos os seus propulsores. Por curto período, são até capazes de ganhar ou velocidade ou altitude consumindo a energia potencial acumulada.

Este modelo talvez possa explicar o comportamento da produção científica nacional que tem registrado aumento de volume a despeito da redução no investimento público em pesquisa e desenvolvimento. Em valores corrigidos, eles caíram de quase R$ 53 bilhões em 2013, maior valor desde o início da série, para pouco mais de R$ 45 bilhões, uma queda de mais de 14% em termos reais. No entanto, no mesmo período observamos a produção científica indexada nacional saltar de pouco mais de 60 mil artigos anuais para quase 74 mil, um crescimento de mais de 22%.

Fig. 1 Brasil: Dispêndio público em pesquisa e desenvolvimento (P&D), em valores constantes, corrigidos por INPC para valores de julho de 2020, 2000–2017. Elaboração própria sobre dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Tabela 2.1.3[1]
Fig. 2 Número de artigos brasileiros publicados em periódicos científicos indexados pela Scopus, 2000–2019 Fonte: SCImago. (2007). SJR SCImago Journal & Country Rank. Acesso em 16/07/2020, https://www.scimagojr.com/countrysearch.php?country=br Dados compilados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Tabela 5.5
Fig. 3 Percentual do Brasil em relação ao Mundo em Número de artigos brasileiros publicados em periódicos científicos indexados pela Scopus, 2000–2019 Fonte: SCImago. (2007). SJR SCImago Journal & Country Rank. Acesso em 16/07/2020, https://www.scimagojr.com/countrysearch.php?country=br Dados compilados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Tabela 5.5

Para explicar este aparente paradoxo, devemos lembrar que os processos da ciência são de longa duração e que a publicação de artigos em um par de meses, como vemos agora na mobilização da base científica em resposta à covid-19 são encontrados apenas em circunstâncias excepcionais ou em nichos. Só para a publicação, uma vez que um trabalho esteja concluído e tenha sido submetido, a mediana do tempo necessário até a publicação é de mais de 4 meses, considerando que seja aceito[2]. Projetos de doutorado, elemento importante para a produção científica nacional, tem uma duração esperada de 4 anos. Na solução do paradoxo, uma componente seria a maturação de investimentos anteriores. Investimentos em pesquisa e desenvolvimento exigem tempo e constância. No continuado aumento da produção científica observada até o momento, não se descarta ainda alguma influência neste comportamento de um ganho de eficiência, medida em termos de volume da produção científica em relação ao investimento realizado.

Com isto em mente e examinando a evolução da participação do Brasil na produção científica mundial, vemos uma tendência de diminuição de ritmo de crescimento. Em 2019, a participação no Brasil já regrediu, o que não ocorria desde 2005, outro único ano negativo da série. Na nossa analogia, seria como uma aeronave, que vinha subindo com boa potência de motor, e que passa a receber menos combustível, e vai pouco a pouco reduzindo o ritmo da subida e sendo passada para trás por outras aeronaves. Já observamos em termos relativos o momento em que ela para de subir e começa a queda.

Fig 4. Variação no percentual do Brasil em relação ao Mundo em Número de artigos brasileiros publicados em periódicos científicos indexados pela Scopus, 2000–2019 Cálculo próprio sobre dados compilados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Tabela 5.5, Fonte: SCImago. (2007). SJR SCImago Journal & Country Rank. Acesso em 16/07/2020, https://www.scimagojr.com/countrysearch.php?country=br

Contrastando as Figuras 1 e 4, podemos enxergar agora comportamentos que são compatíveis considerando os períodos antes e após o pico dos investimentos em 2013: tendência de crescimento transformada em desaceleração.

Neste ponto é importante examinar o comportamento recente do financiamento a fim de determinar se a expectativa é continuação da desaceleração ou se teremos novo impulso em direção ao crescimento. Para aproximar os dispêndios públicos recentes, uma vez que a série publicada só vai até o ano de 2017, podemos considerar os investimentos federais por funções e subfunções relacionadas à Pesquisa e ao Desenvolvimento, cujos dados estão disponíveis no portal Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União (CGU). Aqui, as notícias não são boas. Tomadas a função 19 — Ciência e Tecnologia, e as subfunções 364 — Ensino Superior, 571 — Desenvolvimento Científico, 572 — Desenvolvimento Tecnológico e Engenharia, e 573 — Difusão do Conhecimento Científico e Tecnológico, vemos que os valores investidos em 2019 representaram 98,5% do valor de 2017, em termos constantes.

Fig 5. Execução da despesa de funções e subfunções em valores relativos ao apurado para 2017, corrigidos por INPC para valores julho de 2020 a partir de dados do portal da transparência[3]. Compilação própria.

Na composição do investimento público nacional, a estimativa da parcela dos orçamentos das instituições de ensino superior que é dedicada às atividades de pesquisa e desenvolvimento representa cerca de um terço (32% em 2017) do total do investimento nacional em P&D e quase 60% dos investimentos públicos. No nosso avião, as instituições de ensino superior formariam boa parte das asas, fornecendo sustentação aos esforços. Assim sendo, perspectivas de cortes nos sistemas estaduais e federais de ensino superior tem não apenas impacto direto na educação como podem ser catastróficas para a ciência e tecnologia do país. É esta infraestrutura que garante o voo de planador em tempos de vacas magras.

Fig 6. Brasil: Dispêndio nacional em pesquisa e desenvolvimento (P&D), em valores correntes por setor institucional, 2017. Elaboração própria sobre dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Tabela 2.1.3[4]

Para 2020, o orçamento previsto para o ministério de ciência, tecnologia e inovações, à época conjunto com Comunicações, foi 15% menor que aquele de 2019[5]. Mesmo os investimentos extraordinários para enfrentamento da covid-19 estão aquém do observado em outros países, segundo levantamento de grupo do IPEA :

“Os recursos aplicados pelo governo brasileiro representam apenas 1,8% do orçamento anual dedicado a pesquisas e inovação. O esforço de outros países foi muito maior, alcançando 4% nos EUA, 11% no Reino Unido e 12% na Alemanha.”[6]

Para 2021, o orçamento específico de ciência e tecnologia prevê uma queda nominal de 27,7%, caindo de R$ 3,78 bilhões em 2020 para R$ 2,735 bilhões em 2021. Em educação, os valores passam de R$ 142,836 bilhões em 2020 para R$ 144,538, um ganho nominal de 1,2%[7]. Até o momento, no entanto, o IPCA acumulado de 2020 é de 0,46%[8]. Portanto, em termos reais, a proposta representa uma retração também para o orçamento da educação, lembrando que o crescimento orgânico de gastos já afeta a capacidade de dedicação à pesquisa. Se os cortes na educação são como furos nas asas, os cortes previstos de 33% no INPE cortam o acesso a satélites e informações climáticas do combalido planador científico, que segue em voo cego[9].

Sem potência, sustentado apenas pela habilidade de pesquisadoras e pesquisadores no manche, a queda se dá sem muito ruído. No meio do caminho, perdem-se espaços duramente conquistados gravidade acima, perdem-se pesquisadoras e pesquisadores que mudam de atividade ou país, ou que nem mesmo chegam a embarcar. Mas não podemos nos enganar, ainda que escapemos de stalls e quedas em parafuso mais dramáticas, o pouso será desastroso e se dará em terreno pestilento e árido. Enquanto vamos sendo superados e ultrapassados por outras nações, ficamos nós sem capacidade de manobra e sem o instrumento que nos deu régua e compasso, capaz de nos livrar de pandemias e do obscurantismo.

Fontes de dados e referências

[1]http://antigo.mctic.gov.br/mctic/opencms/indicadores/detalhe/recursos_aplicados/indicadores_consolidados/2_1_3.html acesso em 3 de setembro de 2020
[2]Nature 530, 148–151 (11 February 2016) doi:10.1038/530148a
[3]http://www.portaltransparencia.gov.br/download-de-dados/despesas-execucao acesso em 3 de setembro de 2020
[4]http://antigo.mctic.gov.br/mctic/opencms/indicadores/detalhe/recursos_aplicados/indicadores_consolidados/2_1_3.html acesso em 3 de setembro de 2020
[5]https://jornal.usp.br/universidade/politicas-cientificas/mesmo-blindado-orcamento-da-ciencia-ja-nasce-contingenciado-para-2020/
[6]https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2020/05/baixo-investimento-em-inovacao-deixa-brasil-despreparado-para-enfrentar-novo-coronavirus-diz-ipea.shtml
[7]https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/08/31/orcamento-governo-propoe-manter-gastos-com-educacao-superiores-aos-de-defesa-em-2021.ghtml (erro de digitação no percentual corrigido em 01/jun/2021, estava anteriormente 0,1%)
[8]Julho/2020
[9]https://pt.wikipedia.org/wiki/Santos-Dumont_Demoiselle#/media/Ficheiro:Santos_Dumont_Demoiselle.jpg

Notas e observações

  • Todos os dados e informações apresentados são oriundos de fontes públicas;
  • Este texto é escrito em caráter estritamente pessoal e não reflete necessariamente a opinião de quaisquer organizações ou instituições;
  • Correção pelo INPC para valores de julho de 2020 , tomando mês 7 de cada ano como referência;
  • Descarta a influência do investimento privado na produção científica;
  • Para 2018 e 2019, toma o comportamento do dispêndio federal como representativo do comportamento do dispêndio público;
  • Para 2021, movimento considera o total da educação e não a subfunção 364.
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O espaço da esperança

No atual e apaixonado embate entre “esquerda” e “direita” por que passamos, a classificação de qualquer iniciativa como de esquerda ou de direita é condição suficiente para arregimentar defensores e detratores. Perdemos a capacidade de análise de consequências, perdemos a capacidade da construção de compromissos. E, principalmente, a capacidade de idealizar um futuro comum.

Tug of War! Jason Eppink #flickr https://flic.kr/p/8mofyu Attribution 2.0 Generic (CC BY 2.0)

 

Em escala global, estamos assistindo à potencial introdução de tecnologias com a capacidade de transformar a estrutura produtiva da sociedade e a oferta de empregos disponíveis em uma magnitude antes só vista durante a revolução industrial. E em face desse desafio, é importante examinar com carinho as opções que se apresentam.

Tomemos como exemplo a introdução na economia de veículos autônomos. No Brasil, motoristas em geral representam 1,8 milhão de trabalhadores e trabalhadoras, quase 4% do total de 48 milhões vínculos empregatícios do país, não incluídos aí motoristas autônomos1. Destes, quase 1 milhão são motoristas de veículos de cargas, cerca de 2% do total de trabalhadores e trabalhadoras.  Um estudo do Fórum Internacional do Transporte projeta uma eliminação na Europa e Estados Unidos de 2 milhões a 4,4 milhões de um total de 6,5 empregos de motoristas de caminhão estimados para 2030 caso haja uma rápida adoção da tecnologia de caminhões autônomos2.

Neste momento, poderá surgir um embate centrado na adoção ou não da nova tecnologia. Podemos supor que temos mais ou menos bem definidos aqueles que ocuparão o campo da defesa do emprego, e aqueles que ocuparão o campo da defesa da eficiência. Acontece que contrapor a defesa dos trabalhadores e trabalhadoras à eficiência é travar um debate limitado, reduzindo-o ao embate unidimensional da esquerda x direita. Em ambos os casos há uma dimensão oculta que, na sua explicitação, permite o compromisso entre dois campos aparentemente inconciliáveis3.

No caso de adoção de novas tecnologias que resultam na redução de mão de obra, a dimensão oculta é a da distribuição de renda – este é o argumento que apresento no texto “Vamos falar sobre colheres, pás e teares4.

Considerando agora a distribuição de renda, podemos definir espaços e realidades alternativas para a introdução de novas tecnologias, considerando a pergunta original,  a. Serão aplicadas restrições à adoção das novas tecnologias? e uma nova pergunta: b. Como serão distribuídos os ganhos de eficiência obtidos pelas novas tecnologias?

Temos um primeiro caso, o da não adoção das novas tecnologias. Em primeiro momento, tudo fica como antes. Com o passar do tempo, o país vai tomando cara de museu. Já experimentaram andar de Kombi recentemente? Assim como os carros dos anos 50 em Cuba, talvez o país se torne destino turístico que as pessoas visitem para ver o lugar onde as pessoas ainda dirigem caminhões. Mas ainda que a indústria do turismo eventualmente possa ter um pequeno ganho, todo o restante da economia sofreria na competição com outros países. Atrasado e pobre seria o nosso destino.

A segunda opção seria o da liberação de novas tecnologias, sem que isto seja acompanhado de ações para distribuir os ganhos de eficiência advindos da sua adoção. Este cenário não é, a princípio, apocalíptico. Não veríamos, da noite para o dia, quase 2 milhões de pessoas desempregadas. A substituição de motoristas por veículos autônomos aconteceria pouco a pouco, dependendo da construção de infraestrutura de apoio, de adaptação das tecnologias às condições locais, e, sobretudo da viabilidade econômica da substituição. Uma startup promete um kit de conversão de caminhões por 30 mil dólares5. Esta substituição iniciaria pelos trabalhadores e trabalhadoras mais bem remunerados. Essa massa de indivíduos qualificados competiria então pelos decrescentes postos restantes, jogando os salários para baixo. Esta dinâmica seguiria até o momento no qual deixa de ser vantagem a adoção dos caminhões autônomos.

Para o autor Ryan Avent6, não é preciso de uma máquina do tempo para observar esta dinâmica em ação no futuro. Ela já realidade na comparação entre países desenvolvidos e países nem tão desenvolvidos. Em uma rápida viagem aos Estados Unidos nos deparamos com várias máquinas, como, por exemplo, tratores cortadores de grama, cuja baixa presença no Brasil pode ser  explicada parcialmente por um carga tributária centrada no consumo, mas que é sobretudo explicada pela presença de mão de obra barata disponível para realizar o trabalho que máquina substituiria.

O espaço determinado pela liberação de novas tecnologias sem que sejam tomadas medidas para distribuição de renda é um espaço onde há uma manutenção do nosso status quo, com grande desigualdade, baixos salários e baixa intensidade tecnológica.

Até aqui temos delimitado o debate mais entrincheirado e raso na dicotomia entre esquerda e direita. Mas se a liberação, ou melhor ainda, se a liberação, o incentivo e o apoio à adoção de novas tecnologias vierem casados com medidas que assegurem que os ganhos de eficiência e das riquezas advindas da conquista de novos mercados sejam disseminados ao longo da sociedade, podemos imaginar uma realidade onde temos eficiência e bem estar social.

Ao invés do ciclo vicioso que parece ser o destino que estamos no momento direcionados, a julgar pela direção das reformas em curso no país, uma realidade que contemple trabalhadores bem remunerados é uma realidade que estimula a adoção de novas tecnologias e a inovação. Neste ciclo virtuoso, altos salários viabilizam a adoção de novas tecnologias, os ganhos de eficiência e a novidade proporcionadas pela adoção de novas tecnologias tornam os produtos e serviços competitivos e atraentes, os ganhos advindos da competitividade são distribuídos ao longo da sociedade, e, como os salários mantêm-se elevados, o ciclo se repete, com ganhos para todos ao longo do caminho.

Existem algumas propostas para a distribuição, defendidas por Avent e outros autores que têm lidado com a questão da desigualdade crescente nas economias desenvolvidas: Alguns defendem a (i) realização de investimentos volumosos em infra-estrutura, atacando  ao mesmo tempo a desigualdade e o envelhecimento da infraestruturas dos países que sofrem a um par de décadas as consequências do consenso de Washington. Outros recuperam a visão de Keynes em prol de uma (ii) semana de trabalho de 15 horas. Há ainda a possibilidade de intervenção no mercado imobiliário.  O mercado imobiliário tem aparecido como grande vilão da concentração de renda. Algumas propostas defendem tanto (iii) maior taxação de ativos ativos imobiliários quanto (iv) a eliminação de restrições de construção nos grandes centros urbanos. Há ainda uma crescente discussão a respeito da adoção de programas de (v) renda básica universal.

Um alternativa que gostaria de ver desenvolvida é a de períodos sabáticos disponíveis para qualquer trabalhador.  O  designer Stefan Sagmeister, por exemplo, fecha seu escritório por um ano a cada sete, com grandes retornos para a qualidade do que a empresa produz7.

Quais das soluções a serem adotadas é uma longa e complexa discussão, que deve levar em conta o fato de que tais propostas não são incompatíveis entre si e podem ter um efeito de reforço mútuo.

 

Alcino – up into the concert #flickr https://flic.kr/p/6bqH1 Attribution-ShareAlike 2.0 Generic (CC BY-SA 2.0)

 

O importante é lutarmos para construir um espaço onde os avanços no conhecimento alcançados pela humanidade propiciem a construção de uma sociedade harmônica e feliz para todos e todas.

 

1. Dados da RAIS. Vínculos ativos em 31/12/2015
2. Managing the Transition to Driverless Road Freight Transport, ITF/OECD, 2017
3.  Em seu livro “O Quadrante de Pasteur”, fundamental na discussão da política de ciência, tecnologia e inovação, Donald Stokes nos mostra como a classificação da pesquisa científica como básica ou aplicada esconde uma realidade mais rica e pode limitar a nossa ação. Stokes argumenta que uma pesquisa pode, e muitas vezes, deve, ser aplicada e básica ao mesmo tempo, como fazia Pasteur. Pasteur era influenciado por questões de uso, no entanto ia fundo nas suas pesquisas, ampliando de forma significativa as fronteiras do conhecimento. Na análise, Stokes usa duas dimensões para definir quatro quadrantes possíveis para a pesquisa.
4. versão de About spoons, shovels and looms, 2014 – http://ascoisas.com/data/2016/12/vamos-falar-sobre-colheres-pas-e-teares/ http://ascoisas.com/data/2014/03/about-spoons-shovels-and-looms/
5. https://www.wired.com/2016/05/otto-retrofit-autonomous-self-driving-trucks/
6. AVENT, Ryan. The Wealth of Humans: Work, Power, and Status in the Twenty-first Century. St. Martin’s Press, 2016. – O livro de Avent faz a defesa apresentada aqui da relação entre trabalho e adoção de novas tecnologias, colocando elegantemente a discussão no contexto da geração de riqueza neste início de século XXI.
7. TED Talks – the power of time off

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A média, a mediana e a divisão do PIB (Parte II)

[latexpage]

Publicado originalmente, em versão reduzida, como post convidado no blog On The Rocks @ Yahoo! Brasil de Walter Hupsel. Continuação de A média, a mediana e a divisão do PIB (Parte I)

Versão em Inglês / English version here

Prefácio

 

Na continuação do guest post de Roberto Pinho, o autor demonstra o porquê do PIB per capita não ser uma boa medida quando tratamos do coeficiente de GINI, que visa aferir, justamente a desigualdade social.

Walter Hupsel

A média, a mediana e a divisão do PIB – Parte II

Com aritmética simples, o índice de GINI possibilita a conversão do PIB per capita em PIB mediano, assumindo que a renda segue uma distribuição de Pareto. Por exemplo, o PIB per capita da Namíbia em 2011 era de USD 6.326 1, no entanto, levando em consideração seu GINI de 0,64, o PIB mediano é de apenas USD 2.392. Uma grande diferença.

A equação que fornece o PIB mediano, que talvez devesse ser chamado mais apropriadamente de  PIB per capita ajustado pelo GINI, é:

\begin{equation} \label{eq:medianGDP}

PIBmediano = \frac{\sqrt[\alpha]{2} \times (\alpha-1)}{\alpha}\times PIB \textit{ per capita}\text{, onde } \alpha = \frac{1}{2\times GINI}+\frac{1}{2}

\end{equation}

Se você tolerar um erro de aproximadamente 6% em relação ao que é esperado dada uma distribuição de Pareto, você pode simplesmente utilizar $(1- GINI)\times PIB \textit{ per capita}$.

Agora vamos considerar a Ucrânia, com um PIB per capita equivalente ao da Namíbia em 2011, USD 6.365. A Ucrânia tem um índice de GINI muito melhor, 0,26. Assim, o seu PIB mediano fica em torno de USD 5.000, mais de duas vezes o calculado para a Namíbia. Esta diferença é muito mais consistente com a avaliação destes dois países segundo o índice de Desenvolvimento Humano (IDH), utilizado pela ONU, que coloca a Ucrânia e Namíbia, respectivamente, nas categorias de alto e de médio desenvolvimento humano. A análise isolada do PIB per capita dos dois sugeriria que eles estivessem empatados na mesma posição e categoria.

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Curvas de densidade de probabilidade para dados simulados com o mesmo PIB per capita como média mas com diferentes índices de GINI. Em escala log.

O PIB mediano pode também fornecer uma perspectiva mais rica sobre a evolução do PIB de um país e seu impacto sobre a população. Os EUA viram o seu PIB per capita crescer 74% entre 1980 e 2012, enquanto que o seu PIB mediano ou mPIB cresceu menos: 52%2. Olhando o período entre 2007 e 2012, período que inclui a Grande Recessão, o cenário é de recuperação total se olharmos o PIB per capita. No entanto, o mPIB registra uma retração de quase 3% no mesmo período. Sim, houve melhoria em relação ao pior momento da crise, registrado em 2009, mas também não há recuperação total da economia como indica o PIB per capita.

chart_2
Evolução do PIB per capita e PIB mediano para os EUA utilizando os valores de 2007 como índices (=100).

Como ocorre com qualquer indicador, o PIB mediano tem as suas limitações. O índice de GINI, necessário ao cálculo, tem menor disponibilidade que o PIB per capita. Às vezes apenas disponível em intervalos de 10 anos. No entanto, alguns procedimentos podem ser adotados para minimizar este problema. Uma vez que o GINI flutua menos entre anos para um país do que entre países em um ano, usar o dado do último ano disponível pode produzir melhores comparações entre países que o simples PIB per capita. Sua adoção certamente requer algum trabalho para melhorar a disponibilidade, qualidade e comparabilidade, um desafio constante mesmo para o sempre presente PIB, como defendido recentemente por Bill Gates.

Todos nós que vivemos trabalhando com estatísticas sabemos que elas podem tornar-se uma influência adversa no desenho de políticas. Quando focamos no PIB per capita, estamos levando em consideração uma pessoa não existente, focando em uma medida que pode melhorar independentemente do que ocorre com grande parte da população. Nós deveríamos focar numa medida capaz de melhor refletir a realidade de um indivíduo bem real, ainda que anônimo, encontrado bem no centro da distribuição dos seus pares. Se começarmos a ver esta medida na home page do Banco Mundial, brilhantemente promovida no Gapminder do Hans Roslings, ou talvez na página principal do Yahoo, talvez possamos ajudar a redefinir progresso econômico em termos que realmente significam progresso para a nossa população.

Agradeço os comentários e sugestões recebidos de Andre Luchine, Beto Boullosa, Camilo Telles, Eduardo Viotti, Emilia Spitz, Joniel da Silva, Leonardo Fialho, René Dvorak, Vini Pitta and Walter Hupsel.

1. Ao não ser se indicado diferentemente, todos os valores foram obtidos no site World Development Indicators, acesso em 31 de Dezembro de 2013. Indicators: GDP per capita, PPP (constant 2005 international $): NY.GDP.PCAP.PP.KD; GINI:SI.POV.GINI, latest available year.

2. GINI data for the USA from FRED: http://research.stlouisfed.org/fred2/series/GINIALLRH , not compatible with WDI data;

Alguns dos Scripts R usados pra produzir este texto:

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A média, a mediana e a divisão do PIB (Parte I)

Publicado originalmente como post convidado  no blog On The Rocks @ Yahoo! Brasil de Walter Hupsel.

Versão em Inglês / English version here

Prefácio

 

Um velho chavão deve ter sua validade. Dizem que a estatística é a arte de torcer (e distorcer) os números até que estes afirmem o que nós queremos. Para uma melhor aferição de políticas públicas, é necessário calibrar os instrumentos de mensuração, debatê-los, para que nossas variáveis e índices sirvam para descrever o fenômeno, e não distorcê-lo. Por esta razão, abro espaço para um guest post, de um amigo que se debruça fortemente sobre o tema.

Se queremos medir ação, eficácia, precisamos de instrumentos que nos possibilitem esta mensuração. Instrumentos errados nos dão diagnósticos falsos, e assim falseiam a realidade.

Walter Hupsel

A média, a mediana e a divisão do PIB

 

O Produto Interno Bruto (PIB) per capita1 é um indicador simples e eficiente, calculado por uma simples divisão do PIB pela população. Ele é usado correta e elegantemente em muitas ocasiões.

No entanto, o PIB per capita não tem como fugir ao fato de que se trata de uma média aritmética com suas inerentes limitações. A média aplicada ao PIB tem um efeito direto: ela mascara os efeitos da desigualdade na economia.

Mas, temos alternativas?

O índice de GINI tem se firmado como padrão de fato para aferir a desigualdade de renda dos países. Ele mede o quanto a distribuição da rede desvia-se de uma divisão equânime: valor de 0 para o GINI significa uma sociedade absolutamente igualitária, onde todos ganhassem exatamente o mesmo. Valor de 1 indicaria que toda a renda do país teria sido ganha por um único indivíduo.

No mundo real, o índice de GINI varia entre 0,20 (melhor distribuição) para países como a Dinamarca ou Bielorrússia até mais de 0,60 para sociedades muito desiguais, como Namíbia ou Botswana. O valor para o Brasil é de 0,552.

Está na hora de considerarmos uma alternativa ao PIB per capita: o PIB mediano. Essa nova medida, uma composição de PIB e GINI, é capaz de melhor refletir simultaneamente mudanças no volume de produção da economia e tendências na distribuição de renda, sem deixar de permitir a comparação entre países com populações de tamanhos distintos.

Enquanto a média é a soma de todos os valores de um conjunto dividido pelo número de elementos do conjunto, a mediana representa o valor encontrado no meio do conjunto, que o divide em duas partes: metade são maiores que mediana, metade são menores.

Médias são influenciadas por valores extremos, medianas não. Em um exemplo clássico, um aumento no salário do funcionário mais bem pago altera a média salarial, enquanto a mediana não se alteraria. Mover a mediana requer que ao menos aqueles que não são nem os mais ricos nem os mais pobres tenham reajustes no seu salário. Para a divisão do PIB, significa dizer que a mediana reflete melhor a realidade do cidadão ou cidadã típico.

Uma política que tenha como fundamento o crescimento da economia a qualquer custo [humano] tem amparo no PIB per capita, que cresce ainda que alguns poucos melhorem. O PIB mediano já não [se] deixa enganar tão facilmente.

 

Continua em A média, a mediana e a divisão do PIB (Parte II)

 

 Agradeço os comentários e sugestões recebidos de Andre Luchine, Beto Boullosa, Camilo Telles, Eduardo Viotti, Emilia Spitz, Joniel da Silva, Leonardo Fialho, René Dvorak, Vini Pitta and Walter Hupsel.

1. Este texto poderia igualmente discutir PNB per capital. PIB per capita foi escolhido por ser de mais amplo uso;
2. Ao não ser se indicado diferentemente, todos os valores foram obtidos no site World Development Indicators, acesso em 31 de Dezembro de 2013. Indicadores: GDP per capita, PPP (constant 2005 international $): NY.GDP.PCAP.PP.KD; GINI:SI.POV.GINI, último ano disponível.

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Montando uma rede com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

Pequeno post para compartilhar arquivos de nós e ligações para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, sua metas e indicadores.
Agradeço a indicação de quaisquer erros.

Arquivos:
CSV:
ODS.nodes.csv
ODS.links.csv
R:
ODS.nodes.links.RData

Visualização feita com os arquivos (use o scroll do mouse para zoom):

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Vamos falar sobre colheres, pás e teares

Vamos falar sobre colheres, pás e teares

Versão em Inglês / English version here

estória se passa assim: Milton Friedman foi visitar um país considerado atrasado quando vê uma enorme obra que está sendo construída com pás em vez de tratores e outras máquinas. Perguntando o porquê, ele descobre que isso é para aumentar o número de trabalhadores necessários para a tarefa, sendo o fornecimento de empregos um dos principais objetivos desse esforço do governo. Ele então passa a sugerir, zombeteiramente, que os trabalhadores devem usar colheres em vez de pás, assim a necessidade de trabalhadores seria ainda maior.

Já vi essa estória usada para ridicularizar muitas intervenções governamentais na economia, desde projetos de estímulo a regulamentações trabalhistas. É muitas vezes usada para desqualificar todas as intervenções governamentais na economia. O problema com as intervenções seria que elas sacrificam a eficiência em benefício de ninguém, que seriam tão inúteis como construir um canal com colheres.

O problema com essa linha de pensamento é que ele tenta agrupar e igualmente desacreditar ações que tem perfis muito diferentes quando se fala de eficiência, produtividade do trabalho e, finalmente, distribuição de renda.

Para mostrar isso, vamos apresentar nossa estória de maneira um pouco diferente, acrescentando mais cor à medida que avançamos. Temos três opções aqui: colheres, pás e tratores, três custos finais diferentes para a obra e três diferentes quantidades de horas de trabalho necessárias para a sua conclusão, mas o mesmo resultado: um canal concluído ou represa ou o que quer seja.

Outra coisa que permanece constante nesta história é o quanto do trabalho é realizado por cada um dos trabalhadores envolvidos. Isso nunca é mencionado. No entanto, uma quantidade constante de horas de trabalho por trabalhador é necessária para que a história funcione.

Temos profundamente enraizada em nós a ideia de quantas horas um trabalhador deve trabalhar por semanaPense em cerca de 40 horas por semana e veja se lhe parece razoável . Agora vamos remover essa restrição e repensar nossa história: vamos usar tratores e caminhões e reduzir o número de horas que cada trabalhador deve fazer.

Do conforto de uma poltrona de escritório, a opção com colheres e a opção de redução do horário de trabalho podem parecer as mesmas, pois tem mais ou menos os mesmos custos, ambos muito maiores do que a opção com uso de caminhões, tratores e uma quantidade mínima de trabalhadores. No entanto, do ponto de vista dos trabalhadores, e também poderíamos dizer, para a sociedade como um todo, estes são cenários muito diferentes. Agora, um trabalhador terá tempo para cuidar de seus filhos, ou aprender algo novo, ou apenas ter uma vida melhor e mais saudável. Nosso analista pode suspeitar disso ao olhar para o índice de produtividade do trabalho por hora trabalhada, que mostra comportamentos muito diferentes para a opção com colheres e a opção com tratores. De fato, a produtividade do trabalho por hora seria mais ou menos a mesma sempre que se usasse tratores e caminhões, tendo poucos trabalhadores trabalhando em tempo integral ou muitos trabalhadores trabalhando algumas horas por semana.

Assim, no que diz respeito à opção de redução do tempo de trabalho, podemos simultaneamente dizer que é tão produtivo como empregar caminhões e poucos trabalhadores, e que é tão caro como a opção das colheres. Como podem ambas as afirmações aparentemente incompatíveis ser verdadeiras?

Para desenredar isso, precisamos adicionar a perspectiva da empresa que está executando o projeto. Para a empresa, a adição de caminhões e tratores a um projeto significa aumentar a produtividade e permitir a contratação de menos trabalhadores, aumentando assim os lucros. Nesse cenário, os ganhos de produtividade são mantidos pela empresa. Se dizemos agora que cada trabalhador só pode trabalhar um número reduzido de horas por semana, ainda é do interesse de todos os envolvidos empregar máquinas, mas agora os ganhos de produtividade derivados são compartilhados com os trabalhadores, o que se reflete em custos mais altos da perspectiva das empresas.

O que está escondido na história original é uma discussão sobre distribuição de renda. Sim, tem havido muita regulamentação que certamente afeta a produtividade, tais como a necessidade de ascensoristas  para elevadores automatizados1, mas não se pode dizer o mesmo das intervenções no mercado de trabalho, tais como a fixação da carga horária máxima semanal ou o estabelecimento de um salário mínimo. O que eles fazem de mais importante é nivelar o embate de forças entre os trabalhadores e os empregadores. Sim, se a qualidade e a competitividade da sua empresa se basearem apenas em ter mão-de-obra barata, poderá ser levada  à falência. Se não, você tem outras opções, como ter uma estrutura de remuneração melhor, por exemplo.

Salário mínimo e outros regulamentos relacionados com o trabalho devem ser discutidos em conjunto com a produtividade do trabalho e comportamento do lucro das empresas, bem como as tendências em termos de desemprego. Desconsiderar estes fatores na avaliação do salário mínimo é irresponsável.

Este debate não é novo, como também não é nova a oposição à regulamentação do trabalho, implicando a ruína da indústria se adotada. Este trecho é do economista de Oxford Nassau Senior, em 1837, opondo-se um limite de 10 horas diárias em fábricas:

“Não tenho dúvida, portanto, que uma lei de [limite em] dez horas seria absolutamente ruinosa. E eu não acredito que qualquer restrição, das horas atuais de trabalho, poderia ser feito com segurança. … O fabricante está cansado das regulamentações, o que ele pede é tranqüilidade.

Como todos sabemos, apesar das advertências terríveis, a economia do Reino Unido tornou-se tudo menos ruinosa.

Agradeço a Beto Boullosa, Camilo Telles e Walter Hupsel pelos seus comentários e sugestões.

 

1. Lei Municipal 1.626/90 (Rio de Janeiro)

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