Roberto de Pinho

Que triste são as coisas, consideradas em ênfase.

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

Preso à minha classe e a algumas roupas,

vou de branco pela rua cizenta.

Melancolias, mercadorias, espreitam-me.

Devo seguir até o enjôo?

Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre

fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.

Sob a pele das palavras há cifras e códigos.

O sol consola os doentes e não os renova.

As coisas. Que triste são as coisas, consideradas em ênfase.

Vomitar este tédio sobre a cidade.

Quarenta anos e nenhum problema

resolvido, sequer colocado.

Nenhuma carta escrita nem recebida.

Todos os homens voltam pra casa.

Estão menos livres mas levam jornais

e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?

Tomei parte em muitos, outros escondi.

Alguns achei belos, foram publicados.

Crimes suaves, que ajudam a viver.

Ração diária de erro, distribuída em casa.

Os ferozes padeiros do mal.

Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.

Ao menino de 1918 chamavam anarquista.

Porém meu ódio é o melhor de mim.

Com ele me salvo

e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.

Uma flor ainda desbotada

ilude a polícia, rompe o asfalto.

Façam completo silêncio, paralisem os negócios,

garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.

Suas pétalas não se abrem.

Seu nome não está nos livros.

É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde

e lentamente passo a mão nessa forma insegura.

Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se.

Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.


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Aprendendo a datilografar

Pode-se dizer que cachorro velho não aprende truque novo, mas decidi aprender a datilografar como se deve. Digo datilografar e não digitar, pois, para mim, este negocio de digitar com todos os dedos é coisa do século passado.

De todas as outras vezes que pensei em aprender a digitar, a impressão de que meu catar milho já era muito mais rápido do que tentar usar todos os dedos sempre me desestimulou.

Mas agora a curiosidade de saber se esta impressão estava correta e de saber como funciona esta técnica me fez ir adiante.

De fato, após um curso online de digitação, fiz um teste e, quando usei todos os dedos, fui avaliado como beginner, mas quando catei milho, fui avaliado como advanced.

Uma coisa me surprendeu, no entanto, mesmo com a vantagem de mais de 15 anos de experiência, eu errei menos com a nova técnica. Me parece que, com a prática, a velocidade aumenta sem perda de precisão.

Levei umas três vezes mais tempo para escrever esta nota que de costume, mas foi uma boa prática. Pelo menos acho que não digitei nada errado.

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A ignorância criativa

Igor, (único) leitor fiel deste blog, sabe que, no seu início, está claro o descompromisso com a citação e com a prova. Ou seja, nada aqui dito segue os rigores de uma busca científica, de uma pesquisa aprofundada. Sem no entanto incorrer, espero, na simples palpitaria.

Saber pode ser fardo na criação. A complexidade do mundo é tamanha que facilmente ficamos presos numa rede de “não podes” e “é impossíveis”. No livro o “Último Teorema de Fermat“, o autor relata que nenhum conhecimento importante na matemática foi formulado por alguém com mais de 30 anos, com exceção da própria demonstração moderna do último teorema de Fermat. Sua justificativa, pelo que lembro, é que o tamanho de regras, caminhos e conhecimento acumulado por qualquer matemático aos trinta anos é um emaranhado tamanho que impede qualquer inovação. Pode ser que simplesmente, os filhos, os gatos e todas as outras coisas que lhe cercam aos 30+ anos sejam o problema. Mas que a idéia dele é mais charmosa, ela é.

Por outro lado, como me disse certa vez Camilo, para todo problema complicado, existe uma solução simples e errada. O mundo não é plano e isto já é dor de cabeça suficiente. No limite, temos a vestal de Pope:

207 How happy is the blameless vestal’s lot!
208 The world forgetting, by the world forgot.
209 Eternal sunshine of the spotless mind!
210 Each pray’r accepted, and each wish resign’d;

Mesmo antes de ver o filme que homenageia o verso de Pope, sempre pensei como seria bom esquecer as coisas, para ver um filme de novo, pela primeira vez, ler um livro, fazer novas conexões, fora dos caminhos desgastados da nossa mente.

Os programas voltados à qualidade total e à solução de problemas na esfera empresarial, incluem, de uma forma ou de outra, uma etapa de libertação de amarras que podem esconder a solução de um problema. A mais difundida delas, o brainstorming tem exatamente este princípio, muito bem defendido por Jean Cocteau:

Não sabendo que era impossível, foi lá e fez.

Livre de restrições, o pensamento pode caminhar à solução. Com a Internet, este processo pode ser feito em conjunto, com os ignorantes criativos provendo as sementes para aqueles mais informados, como ocorreu com o Nassif.

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Pé no atraso

Depois do futebol, temos um grande apego à burocracia. Adoramos carteiras, cartórios e conselhos profissionais.

O início do texto, lá em cima, pode até ser simpático, evocar o mito do bom selvagem brasileiro, o barnabé qua mata o tempo (e o serviço) na fila para “autenticar” uns documentos. Mas, não creio nisto. Para mim, a verdade está muito mais em meia dúzia de privilegiados que sugam recursos dos país, nos tornam ineficientes e nos devolvem nada.

Aqui, no interior de São Paulo, reconheço uma firma em aproximadamente 3 minutos. Na Bahia, é preciso reservar uma manhã, fazer uma reza forte e contar com o bom humor do PM de plantão, que lhe olha com cara de “cuidado, senão vai ser preso por desacato”. Não que o desenvolvimento (relativo) de SP se deva exclusivamente à eficiência dos seus cartórios*, mas acho um bom termômetro.

Pior que cartórios ineficientes são os conselhos profissionais. Salvo poucas exceções, não nos servem para nada. Tive uma pendenga com um deles, mas minha antipatia é anterior ao imbróglio. A única preocupação destes caça-níqueis é com carimbos e autenticações. Carimbo de um diploma e a autenticação do pagamento da anuidade. Sendo que este segundo, para os conselhos, vale muito mais.

Os conselhos gozam hoje de uma posição legal que é inconcebível para uma democracia: contam com fonte de renda pública, compulsória e não estão seguer sujeitos ao tribunal de contas. Voltamos às monarquias absolutistas… (sobre esta questão, ver texto do Prof. José Pastore). Pior, uma monarquia absolutista escravocrata: o pobre infeliz que resolver se inscrever num deles fica obrigado até a morte a dele fazer parte, e, claro, pagar a tal taxa….

Se ruins em sociedades menos desenvolvidas, os conselhos são piores ainda em economias mais elaboradas. As relações e necessidades são complexas, exigindo muitas vezes visões pouco ortodoxas e, assim como numa floresta, a diversidade garante a sobrevivência. Para ficar num exemplo já batido: quem deve ser o comentarista de economia de um jornal, o jornalista ou o economista ?

E antes que alguem venha me dizer que eles zelam pelo bom exercício da profissão, lembro que projeto do prédio Palace II, aquele que caiu no Rio de Janeiro, foi aprovado pelo CREA, que salvo engano, lavou as mãos, como Pilatos.

* conheço dois cartorios em SP, igualmente eficientes. Conheço alguns na BA, todos eles me proporcionaram longos momentos que dediquei a leitura (talvez devesse agradecer). Desta pequena amostragem, faço meu julgamento.

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Teia Eleitoral

Fiz, com a ajuda de alguns amigos, uma aplicação que permite a navegação entre candidatos a deputado federal e seus doadores ( conforme dados da eleição de 2002 ).

Com ele, é possível traçar caminhos entre deputados através dos seus doadores.

Ele é inspirado no Projeto Excelências da ONG Transparência Brasil, de onde foram obtidos os dados.

Visite o site: Teia Eleitoral

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Discurso Mestrado

Discurso de Titulação – Mestrado em Regulação da Indústria de Energia – UNIFACS – 30 de Maio de 2003

Há algum tempo, assisti uma palestra, talvez seja melhor dizer discurso, de um dirigente de uma agência reguladora de um grande país da América do Sul. Como não foram poucos os representantes de agências que participaram da formação da nossa turma, posso ficar tranqüilo que a identidade do palestrante será preservada. Nesta palestra, dirigida aos funcionários da agência, foi traçado um perfil do regulador. Era tão fantástica a criatura descrita, que eu não seria capaz de reproduzir nem um quinto do tal discurso.

Estes seres perfeitos, capazes de habitar apenas no Olimpo, ou quem sabe, Brasília, deveriam, simultaneamente preocupar-se com os aspectos técnicos, econômicos, legais, sociais, ambientais, financeiros e culturais dos problemas enfrentados. Sempre agradando a gregos e troianos, consumidores e concessionários. Isto para não falar na conduta pessoal, pois eles deveriam ser ausentes de vícios, incapazes de cometer erros.


Tudo seria perfeito naquela tarde de sol no Olimpo, se não estivessem estes semi-deuses ocupados da tarefa de regular a vida de todos nós, pobres mortais. Me pareceu muito errado e estranho que estes seres perfeitos fossem capazes de regular mercados e relações sociais que são muitas vezes imperfeitas, quase sempre desiguais e algumas vezes, mas até do que deveriam ser, injustas. Relações que são antes de tudo Mutáveis.

A confirmação desta minha suspeita ocorreu algum tempo depois, quando já estava numa aula do Mestrado em Regulação da Indústria de Energia. Nesta aula, um dos moradores do Olimpo, a convite de um de nossos professores, falava de o quanto seria oportuno que empresas de todo o país, passassem a apresentar suas faturas de forma padronizada, provavelmente em preto e branco, cheia de códigos. Assim, seria mais fácil, para ele e seus técnicos analisar as mesmas, quando necessário. Estamos falando em interferir na rotina de milhões de consumidores, de impedir inovações, como, por exemplo, colocar uma estória em quadrinho educativa, ou usar cores que agradem aquela região, para facilitar a vida de meia dúzia de técnicos. Se este pensamento se aplica a um detalhe como este, o que dizer de outras questões ?

Mas hoje, felizmente, estamos aqui para a titulação não de meia dúzia de técnicos, mas de 12 seres humanos, logo seremos 14, completos com suas qualidades e defeitos. E para ficar nas qualidades, já que tivemos mais de 2 anos para conhecer os defeitos uns dos outros, falo na que é para mim e como já foi dito aqui, a maior qualidade desta turma e deste curso, desde a sua concepção, que é a sua diversidade.

Se podemos casar megabyte com megawatt, queda de tensão com alínea segunda, petróleo e seqüestro de carbono, é porque somos um grupo composto de arquiteto, economistas, muitos engenheiros eletricistas, analista de sistemas, químicos industriais, engenheiro químico e até engenheiro naval. Certa vez, conversando com Dr. Afonso Henriques, engenheiro eletricista, doutor em engenharia elétrica, na época diretor da ANEEL, disse-lhe que havia muitos engenheiros da diretoria da agência. Para o meu espanto, até ele concordou.

E foi através da correlação de forças desta turma toda que formamos um time capaz, cada um a seu tempo, de observar cada um dos aspectos necessários à hercúlea tarefa da regulação. E olhe que os trabalhos foram mais que os apenas 12 do Hércules original. Falamos desde protocolo de Kyoto até termodinâmica e achamos algo ou até muita coisa no meio do caminho.

Trabalhos estes pedidos por professores tão diversos como nós mesmos. Temos desde a seriedade amiga de Paulo Rocha e suas temíveis equações de balanço de poço até a gargalhada e o humor britânico de Osvaldo Soliano.

Tivemos também relutantes moradores do Olimpo, como é o caso do nosso Tanure, que sempre que pode volta a esta cidade, para renovar as idéias, as suas, mas principalmente, as nossas. Professores como a professora Olívia, que com todo carinho buscou nivelar o conhecimento de uma turma de origem tão diversa.

Ou ainda, o nosso professor de direito, Honorato, advogado, que ao contrário de todas as nossas expectativas, e como vocês puderam ver, era um dos mais brincalhões, e ouso dizer, dos mais gaiatos, e, também por isto, um dos mais queridos.

E deste caldeirão, que começou como turma, teve que virar time, eis que surge uma equipe, que continua unida, sob este teto. Isto é possível, pela visão dos polivalentes James e André, e hoje orquestrado pelo onipresente Ricardo e sua equipe : Andréia, Carol, Roberta, Letícia. Hoje, mais da metade dos que estão recebendo seus títulos trabalham na Universidade Salvador, pesquisando e ensinando, sabendo utilizar as habilidades mútuas e a trabalhar juntos, dando sentido e uso ao termo colegas.

Colegas que junto comigo recebem o diploma hoje, colegas como Normando e Ana Cristina que logo estarão recebendo os seus, e colegas como o líder de nossa turma, Jorge Ramalho, que por um motivo ou outro não terminaram o mestrado, mas que espero ver de volta nesta casa. A eles, obrigado pela companhia neste processo, e todos vocês, muito obrigado pela atenção.

Roberto Pinho, Mestre em Regulação da Indústria de Energia.

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As coisas – Jorge Luis Borges

A bengala, as moedas, o chaveiro,
A dócil fechadura, as tardias
Notas que não lerão os poucos dias
Que me restam, os naipes e o tabuleiro.
Um livro e em suas páginas a seca
Violeta, monumento de uma tarde
Sem dúvida inesquecível e já esquecida,
O rubro espelho ocidental em que arde
Uma ilusória aurora. Quantas coisas,
Limas, umbrais, atlas, taças, cravos,
Nos servem como tácitos escravos,
Cegas e estranhamente sigilosas!
Durarão para além de nosso esquecimento;
Nunca saberão que nos fomos num momento.

versão original: aqui
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Pequenas Violências

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Somos muito mais sensíveis às pequenas violências concentradas do que às grandes violências diluídas. Somos muito mais sensíveis ao ônibus que mata 20 no acidente dos que aos 35 mil que morrem silenciosamente no nosso trânsito ao longo de um ano. Se 5 jovens do Leblon morrem em um carro, assunto do Fantátisco. Só aí, quando jovens dourados são vítimas, é que passamos uma semana enxergando o problema. Só aí percebemos que a cada hora 4 pessoas morrem no Brasil em acidentes de trânsito, todos as semanas, todos os dias.


Não sei até que ponto somos naturalmente sensíveis a estes eventos, ou se isto é reflexo da visão da mídia, indústria de novidades. Como dizia o Padre Antônio Vieira, Demócrito ria sempre, logo não ria. O cotidiano, por mais brutal que seja, não é notícia.

Nos jovens mortos do fantástico somam-se dois efeitos para a atenção da mídia: terem morrido 5 num só acidente e serem moradores do “andar de cima”. Serem eles, o retrato dos filhos, sobrinhos e amigos daqueles que fazem o Fantástico. Bastam pouco mais de 2 horas para que 5 jovens do “andar de baixo” morram vítimas de arma de fogo, neste mesmo Brasil. No mesmo Rio de Janeiro, morrem 8 vezes mais jovens por arma de fogo que em Israel e na Palestina, juntos.

Do discurso inflamado da Senadora Heloísa Helena, gosto do paralelo que ela faz entre a violência pontual e a violência cotidiana:

No dia que eu perder tolerância com meu filho agredido, passo a não ter tolerância com os filhos da pobreza agredidos também. No dia que perder a possibilidade de me indignar vendo a dor e a miséria na minha casa, eu perco com os outros também.

E neste momento, enquanto fecho esta entrada no blog, o Fantástico celebra o 11 de Setembro, onde 3000 moradores do “andar de cima” morreram. Menos de 10% entre os mortos do Iraque desde a invasão pelos EUA.

© foto: S.i.s.s.i & Igor A. Y G. @ UFScar, São Carlos, SP, 2006

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