Roberto de Pinho

Labirinto

Poema de Hermínio Bello de Carvalho

Acho bonito falar alemão.

Por isso, talvez, eu não queira aprender a falar alemão.

Seu eu falasse alemão

as pessoas iriam dizer, simplesmente, “ele fala alemão”

e aí perderia toda a graça.

A graça está em achar bonito falar alemão.

Por isso, às vezes,

eu deixo de fazer algumas coisas.

Deixo de dizer que te amo

porque dizer que te amo soaria como uma banalidade a mais

nesse mundo cheio de banalidades.

e onde habito eu, um poeta das banalidades

E simplesmente me calo, deixo a barba crescer

escrevo poemas para depois apagá-los de minha lembrança

e esqueço coisas que seriam inesquecíveis

simplesmente porque perdi a capacidade

de reter as coisas boas em minha memória.

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Samsara

Todos os dias tento me reescrever a mim mesmo,
mas como fui escrito à caneta, não há borracha que dê jeito.

Resignado, rabisco em cima de mim todos os meus excessos.

Faço traços e curvas cada vez mais fortes até que não se distingua uma letra sequer.

Inutilizado o papel, digo:

agora, tudo vai ser diferente

Parto para a próxima folha do caderno, marcada profundamente por todos os meus caminhos, sulco fácil por onde escorrer a nova tinta.

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Um quase Colombo

Disse nos comentário que talvez a Síndrome de Colombo fosse melhor batizada de síndrome de Dumont. Mas pensando melhor, Dumont se encaixa como contra-exemplo, ou ainda, para os mais paranóicos, como o sucesso de uma conspiração para esconder a sua morte.
Da escola, lembro da informação de que tinha morrido de desgosto. Morrer de desgosto. Ficou em mim a imagem de uma planta murchando, esquecida, até morrer. Ficou também um certo medo que minhas melancolias pudessem um me levar. Do suicídio, do fato, da violência, do pecado punido por toda religião que deseje prosperar, só fui saber muito mais tarde.

Por mais de uma vez já fui negado: Não, ele não se matou. Não pode ser. Mas foi. E os paranóicos estão certos, sua morte foi acobertada para não destruir o herói, para que a sua morte de herege esquecido não tirasse dele toda uma história de feitos:

A certidão de óbito ficou “sumida” por 23 anos. O motivo da morte foi omitido desde a ditadura de Getúlio Vargas, quando criou-se a figura-mito do herói nacional, chegando a ser ignorado pelos livros de história. Achavam que não ficaria bem um herói suicida.

Quando foi encontrada, dava como “causa mortis” um suposto “Colapso Cardíaco”.

O próprio Governador da época, Dr. Pedro de Toledo, determinou: “Não haverá inquérito. Santos Dumont não se suicidou.” Cumpridas as ordens do Governador, somente a 3 de dezembro de 1955 seria registrado o óbito. Fonte:Luciano Camargo Martins

Assim, suicida, doente e esquecido, Dumont preserva as glórias de toda uma vida, mas confirma a Síndrome de Colombo pela nossa recusa em aceitar o seu fim de vida.

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Síndrome de Colombo

Uma coisa que sempre me marcou nas aulas de história foi a morte de Colombo. Pelo que recordo, ele caiu em desgraça junto a cora espanhola, morando pobre, doente e esquecido.
A wikipédia me diz que não foi bem assim. De fato caiu em desgraça, mas mantinha alguma riqueza.

Mas o que me incomodava era o tom, não sei se escrito, ou se ouvido, o peso que se dava às suas misérias de fim de vida.

Temos um plebeu, de origem duvidosa, que chega a Vice-Rei de Espanha, a grande potência da sua época.

Toda a sua glória esquecida, tudo de bom e incrível que deve ter vivido trocado pela ênfase num momento final infeliz.

Que todo fim seja a celebração de um percurso. Que nunca o luto de um átimo passe por cima de tudo de bom que se tenha produzido nas longas horas. A linha de chegada é por demasiado valorizada.

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Aula de Redação do Sr. Orwell


Para cada frase, o autor deve perguntar a si mesmo:

  1. O que eu pretendo dizer?
  2. Quais as palavras que expressarão a idéia ?
  3. Que imagens ou expressões/figuras de linguagem a tornarão mais clara ?
  4. Estas imagens/expressões são vivas o suficiente para ter um impacto [no leitor] ?

Também recomendável:

  1. Posso dizer o mesmo com menos palavras ?
  2. Eu disse algo de feio/deselegante que possa ser evitado ?

Para o resto da aula:

George Orwell, “Politics and the English Language,” 1946

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Safety and Surprise

Vivemos, eu, você e Jim Morrison, entre a segurança e a surpresa, insatisfeitos em qualquer ponto da senóide. Desesperados numa freqüência mais alta, entediados quando o período é longo.

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As Coisas: Escolhas

Em movimento, toda a vontade vai em direção à opção menos provável. Não na direção impossível, pois nesta fica convencida da sua impotência.
Nos momentos decisivos, naqueles que antecedem os longos períodos de imobilidade, naquele raro momento em que o que está por vir não é claro, em que o desfecho não é garantido e nem mesmo nos surpreenderá, neste breve instante, um lado apresenta-se como favorito na busca pelo ver o mundo, em estar voltado para o sol e assim sentir o lento expandir e contrair deste calor, como uma pulsação de coisa quase viva.

Assim, desta face favorita se tenta esquecer. Concentra-se naquela, que embora não de todo esquecida, é menos afortunada nas decisões do mundo. Rezas, encantamentos e orações, na falta de braços e pernas e músculos, travam esta batalha silenciosa e instantânea.

Já no campo da batalha perdida, sobrevive a dor de aceitar a sua incapacidade ou a dúvida de não saber se assim já não seria, se nada fosse tentado.

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Adolf, Apollo e Aquarius: Quem será o aquecimento global ?

Nosso mundo irá mudar. Nem tanto pelos efeitos da acumulação do dióxido de carbono na atmosfera, mas pelo impacto da reorganização da sociedade para lidar com o anunciado aquecimento global.
Há muito que fatores ambientais não são o principal fator determinante da riqueza das nações. Importantes, sim, mas lugares desprovidos de recursos como o Japão e Las Vegas prosperam sobre fatores outros que não a disponibilidade de recursos naturais.

É certo que o impacto no cultivo de alimentos e na produção de energia, além de uma maior necessidade de obras civis e de investimentos de saúde para lidar com os efeitos nefastos do aquecimento global podem ser importantes, mas, é preciso lembrar que sem aquecimento legal, sem Kyoto vigente, há fome no mundo e a malária mata mais de 1 milhão de pessoas todos os anos, apesar de ser uma doença tratável.

Assim como existe o tratamento para a malária, existem no mundo os recursos necessários para transformá-lo radicalmente. E é neste ponto que o aquecimento global pode ter o seu maior impacto. Uma vez que não há visto de entrada para furacões, como não se podem construir muros para barrar as altas temperaturas, ele não pode ser ignorado pelos países desenvolvidos. Assim podemos esperar que uma imensa quantidade de recursos seja direcionada para a questão.

Imagino que primeiro modelo de organização do mundo a ser considerado é o de uma economia de guerra, com o CO2 no papel de um Hitler invisível. Não tivesse mudado um pouco postura, Bush seria o candidato natural a ser colocado atrás das linhas inimigas.

Especulo que assim como as Guerras Mundiais anteriores, está também será uma guerra a ser travada no hemisfério norte (i.e. Países OCDE), tendo lá seus campos de batalha, e relegando aos demais países um papel periférico. Neste cenário, o aquecimento global seria a arma para frear o crescimento de Índia e China e arrasar com o oriente médio, com pesadas restrições ao uso petróleo. O Brasil poderia ser beneficiado por uma substituição do petróleo pelo etanol, neste cenário e tomar o lugar da Arábia Saudita ou, do Iraque, o que não é necessariamente bom, como bem sabem os iraquianos.

No entanto, ainda que a população mundial atinja os níveis de mobilização necessários para suportar as restrições a serem impostas por um corte radical na sua dieta de carbono, talvez este não seja o inimigo correto.

No TED Talks, um dos palestrantes argumenta que tentar simplesmente reduzir os níveis de CO2 da atmosfera é a mesma coisa que um médico dizer a alguém que levou um soco no nariz: “não leve socos no nariz”. Médicos trabalham com prevenção também, mas boa parte da sua prática envolve a eliminação de sintomas e a correção de problemas.

É neste sentido que se propõe, por exemplo, a colocação de painéis no espaço capazes de refletir parte da energia recebida do sol. É também com este espírito que o bilionário inglês Richard Branson está oferecendo um prêmio de US$25 Milhões para quem desenvolver formas alternativas de captura de CO2 da atmosfera.

Aqui estamos diante de um novo projeto Apollo. Se outros indivíduos ou mesmo governos trabalharem neste sentido, poderemos ter um nova corrida espacial. Aqui vejo pouco espaço para mudanças na geopolítica global. Afora benefícios indiretos que o investimento massivo em ciência traz para a população como um todo, os avanços tecnológicos deste tipo de iniciativa terão como objeto direto a manutenção do american way of life, lá pelas bandas deles, funcionando da mesma forma que o projeto Apollo, que servia de vitrine e de justificativa para o desenvolvimento de tecnologias, que, em última instância, seriam usadas nos embates militares e políticos da guerra fria.

Por fim, poderemos ver nascer uma nova era de aquarius, com os povos dos países desenvolvidos enxergando que o seu modelo de desenvolvimento não se sustenta e que a vida na terra só será possível quando todo ser humano for tratado como igual e que as benesses do desenvolvimento chegarem a todos. Mas isto é apenas conversa para cooptar os ecologistas mais ingênuos.

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