AsCoisas

As Coisas: Cars

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As Coisas: Paulo Francis comprava mais de uma vez o mesmo livro

O sentimento era conhecido: acordava com a necessidade de um certo livro. Possuía-o. Cada folha no passado consumida. Em si, a marca da dor da leitura multiplicando suas sinapses, sombras de alegrias e tristezas, um ou outro conhecimento que lhe fora útil vida afora.

Mas agora precisava do livro. Reforço tangível daquilo que um dia vivenciara.

Devidamente abandonado entre “crônica de uma morte anunciada” e a Utopia, de Morus. Não estava lá.

E a mente corre pela imagem perdida, pela sua vida desde o nosso último encontro. Como estaria. Como aquele canto dobrado, aquele sinal que deixamos para nós [mesmos] teria se atenuado. Se a frase sublinhada a unha, por falta de caneta ou coragem ainda seria detectada.

Me perco nas horas hipotéticas que perderia a buscar uma frase [marcada] que já não estaria lá. Chego na frase. Tem algo de incompleto, uma vírgula que não está onde deveria, uma mordida de traça no que era o mais perfeito final de frase.

Desisto da busca. Apenas uns dois outros lugares onde mais poderia estar. Não olho meu registro de livros emprestados. Melhor começar de novo. Me deixar encantar de novo. Iludir-me com a possibilidade de encontro original. Abraçar a possibilidade daquilo que é inédito e, ainda assim, exatamente como fora antes.

Parto para a livraria, a me deixar chamar por todas as [outras] sereias encadernadas que cantam: onde estivera ?

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They are here to save our lives.


“As Harold took a bite of Bavarian sugar cookie, he finally felt as if everything was going to be ok. Sometimes, when we lose ourselves in fear and despair, in routine and constancy, in hopelessness and tragedy, we can thank God for Bavarian sugar cookies. And, fortunately, when there aren’t any cookies, we can still find reassurance in a familiar hand on our skin, or a kind and loving gesture, or subtle encouragement, or a loving embrace, or an offer of comfort, not to mention hospital gurneys and nose plugs, an uneaten Danish, soft-spoken secrets, and Fender Stratocasters, and maybe the occasional piece of fiction. And we must remember that all these things, the nuances, the anomalies, the subtleties, which we assume only accessorize our days, are effective for a much larger and nobler cause. They are here to save our lives. I know the idea seems strange, but I also know that it just so happens to be true. And, so it was, a wristwatch saved Harold Crick.”

-Kay Eiffel, ‘Stranger Than Fiction’
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A probabilidade de envelhecer

Já estava ruminando um post sobre este assunto há alguns meses, mas a indicação de um livro por Camilo me forneceu o ferramental para entender aquilo que eu estava intuindo.
Tendo visto a argumentação do Taleb, já não consigo articular os pensamentos razoavelmente poéticos que estavam passeando pela minha cabeça. Sempre que me aproximo de um deles, sou capturado pelos raciocínios elegantes do livro “Fooled by Randomness”.

Minha intuição era que, ao longo da nossa vida, vamos construindo conceitos, regras e soluções. No início, tudo é novo, as regras são poucas, os exemplos idem e é sempre mais fácil alterar a nossa postura. À medida que o tempo passa, algumas idéias vão sendo reforçadas e ainda que contra-exemplos nos sejam apresentados, toda a nossa experiência prévia mantém a nossa convicção de que estamos certos.

Um exemplo uni-dimensional disto é a manutenção de uma média histórica. Se, desde o meu nascimento, eu registrasse o número de pessoas com óculos de grau que encontrasse na rua, é possível, a depender da minha idade que a minha média não sofresse grande perturbação depois do advento das lentes de contato e das cirurgias a laser [para correção de miopia].

Neste exemplo, propositadamente simples, fica claro que alguém mais novo leva vantagem. Ainda que sua experiência seja menor, todo o conhecimento acumulado, é, no contexto corrente, apenas fonte de erro, erro este potencialmente maior que o eventual erro [oriundo] da inexperiência.

Com a convicção de que a nossa observação do mundo tem como propósito último a nossa sobrevivência, observo que nosso apego por regras é especialmente pronunciado quando estamos evitando perigo ou mesmo algum desconforto. Se sempre que eu fui procurar comida perto de cavernas do lado do lago, uma família de leões estava lá, após algumas visitas, vou batizar as cavernas perto do lado de lugar amaldiçoado e nunca mais volto lá. De nada adianta saber que os leões foram mortos ou se mudaram. O lugar é maldito.

Num contexto ligeiramente mais moderno, todas as vezes no passado que tomei chuva me lembram de sair de casa com o guarda-chuvas. O desconforto da chuva e do frio exagerando a nossa percepção da probabilidade de chover[um argumento interessante apresentado por Taleb, que me ajuda neste exemplo, é a existência de estudos que mostram que experiências negativas tem maior impacto sobre o nosso humor e tendem a ser retidas por mais tempo na nossa memória que experiências positivas].

Enfim, envelhecer é abraçar velhas percepções, regras e probabilidades. Achar que aquilo que me serviu tão bem ajudará a todos que virão. Envelhecer é escrever um livro de auto-ajuda e esperar que ele funcione.

Mas Taleb vai além, mostrando que boa parte das nossas verdades e regras funcionaram por puro acaso ou foram construídas, a posteriori, em nome de uma busca inata pela razão e motivos, mesmo quando estes não existem ou não são aparentes. Dado um evento que nos é favorável, vamos buscar eventos que expliquem este resultado. O livro é, obviamente, muito mais que isto e uma excelente leitura.

In the end, this is a random and unscripted world, one which the book of rules was not even lost, it was simply never written.

PS. the last line is not from the book, but one I have written originally in another context.
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English way


Entre a possibilidade de falhar e o nada,
abraço a imobilidade.
No pé desta montanha fico imaginando
belos campos além do rio
me prende o medo,
escorregões imaginários,
dentes partidos em quedas que nunca ocorrerão.

Olho meus pés, movem-se timidamente.
passos desesperados de quem nunca vai descolar-se deste chão.

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Story of Stuff


dica de Abreu
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Certa desventura


Um Dia,

os economistas irão notar,

os sociólogos e antropólogos, observar,

filósofos irão debater,

mas estatísticos irão finalmente confirmar:

O falar português inequivocamente aumenta as chances de [alguém] sofrer a eterna desventura de viver à espera de viver ao lado teu.

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Canto dolorido



Neste labirinto de mente existe um canto dolorido. As vezes no susto, depois de uma esquina, um cheiro. Frequentemente ao final de suave e prazeroso declive, embalado na gravidade do desejo, chego a esta memória da maior dor, da maior perda, do momento único em que não havia angústia ou incerteza, apenas a constatação da derrota.
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Crianças


Os cabelos são brancos.
Os passos, medidos.
A chave, no lugar.
O seguro, pago.
O olhar, longe.

e se de repente me descobrem,
e se todos podem ver que não cresci,
e se todos podem ver que nunca andei só ?

Pode criança perdida num mundo de adultos.

Posted by Roberto de Pinho in AsCoisas, Verso e Prosa, 2 comments