Verso e Prosa

Nina !

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No Atlântico




Em algum lugar do Atlântico perdeu-se o meu anjo exterminador.

Indeciso entre o seguir ou o voltar, afogou-se em reflexão e,

em reflexo, no espelho que queria controlar.




O mundo que herdo não é feito de alegrias ou respostas prontas. Nele cabe a tristeza no olhar do menino e cabe o adulto, que parece lhe dizer, seja na mais terna demonstração de fragilidade, seja na mais violenta explosão de quem se encontra encurralado, “dá-me a mão”.

Mas nele cabe também a leveza de saber que não tenho a resposta, e que ela não existe. Neste novo mundo, me somo ao menino que chora e ao adulto que pede colo. Me somo àqueles, que por mais perdidos que estejam, lhe trazem alguma sabedoria e também aos que, em plena certeza, semeiam os desentendimentos. Navego entre a simplicidade que salva e a que engana, entre a complexidade necessária e a sem sentido.


Neste sereno mundo, neste difícil mundo, neste mundo revolto e complexo, estou pronto a abraçar tudo que tenho e carrego, tudo que encontrarei pela frente, toda a grandeza da sua vasta experiência e da sua bela diversidade, que em tanto a mim superam. Nele, as noites são mais iluminadas e o impensado não assusta tanto.


Neste amplo mundo cabe a não trivial possibilidade do andar de bicicleta sob a chuva.

E isto

basta para me

deixar feliz.

Arte de Ananda Nahu

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Certezas

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A instabilidade

Quando os ritmos da vida sao defindos: nascer, crescer, produzir, reproduzir, morrer

Quando o acaso eh cercado, o risco calculado

Ah sempre o caminho nao seguido, o sopro inesperado e Alanis no radio.

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Trampolim

Em tempos de eleição para prefeito, vejo o circular de mitos que cercam a eleição e que tentam direcionar os votos dos eleitores. Estórias implantadas na sociedade, verdades fabricadas que são argumento fácil a ser sacado pelo eleitores na justificativa do seu voto.

Como apontam diversos estudos científicos, em última instância todo processo de decisão tem a emoção como fator central. Desprovidos de emoção, somos fadados a prosseguir na análise, a insistir na busca de novos fatores, insatisfeitos com aquilo que foi ponderado até o momento. Isto não quer dizer, no entanto, que toda a análise cuidadosa é em vão, recaindo a dificuldade, como em muitos outros cenários, na escolha daquele caminho do meio entre a inação e a pura impulsividade.

Assim, é trabalho de toda a campanha circular aquelas estórias que forneçam a desculpa necessária ao voto, e que, preferencialmente evitem a análise mais cuidadosa que possa prejudicar o meu candidato.

Na minha cidade natal do São Salvador da Bahia de Todos os Santos, duas parecem ter especial relevância nestas eleições:

Uma é a do necessário apoio dos governos estaduais e federais para o desempenho do trabalho de prefeito. Implantando como grande competência nos tempos de ACM, o trabalho do avô fere agora as ambições do neto. É difícil para o novo ACM deixar para trás uma idéia cuja pior face foi concretamente observada pela população como resultado do ambiente hostil estabelecido entre o governo do estado e a prefeitura da capital, sob a tutela do velho ACM e da prefeita Lídice da Mata, respectivamente.
Sim, é possível cooperação civilizada entre visões políticas distintas em prol do bem comum, como parece ocorrer no Estado de São Paulo nas parcerias com o governo federal. Lá, no entanto, o debate político é mais maduro, tendo sido possível deixar para trás a política da vendeta, algo facilitado pelo ocaso do Malufismo. Mas em Salvador, com o carlismo ainda na briga pela eleição, é mais difícil apagar a idéia, ainda mais pelo grupo que foi o responsável pela sua disseminação e demonstração prática.

Outro mito frequente é o do trampolim político. A lógica é simples. Se o político se candidata a prefeito, mas tem olhos no governo do Estado, fará um bom governo para a cidade. A lógica é simples, mas falha. O seu governo buscará o melhor para a sua eleição futura e não necessariamente o melhor para a cidade. Um governo com olhos na próxima eleição privilegiará a publicidade, de resultado rápido em detrimento da educação, de resultado a longo prazo, longuíssimo quando lembramos que à prefeitura cabe o cuidado das crianças mais jovens. A comunicação, a percepção, têm, com muito maior frequencia do que seria desejável, maior impacto em uma eleição do que melhorias reais. O que vemos na TV, o que ouvimos no rádio, o que lemos no jornal, é comprovadamente capaz de nos dar a impressão de estamos mais seguros, mais bem educados e tratados, quando, de fato, tudo piora. Um candidato que vai estar “de passagem” pela cidade irá privilegiar o grande prédio público em detrimento da formação e valorização dos servidores públicos, dos processos duradouros de reestruturação administrativa. O foco na eleição estadual impedirá que interesses do interior do Estado sejam contrariados em defesa dos interesses da capital. Da mesma forma, as alianças formadas são aquelas que buscarão garantir os recursos necessários ao financiamento desta nova campanha. E estas, estando fora do alcance dos efeitos da administração local, precisam ser compradas a dinheiro.

Jaime Lerner, o gênio urbanístico feito prefeito de Curitiba, reconhecido e premiado nacional e internacionalmente, certa feita declarou que, sendo permitido pela lei, e assim desejado pelo povo, seria eterno prefeito de Curitiba. Talvez tenha sido este o segredo de seu sucesso.
Leitura recomendada: Duna, de Frank Herbert. Atenção especial às ações da Missionaria Protectiva das Bene Gesserit.

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Amtrak

O trilho segue. Não há escolha. Pelo menos não na direção. Ficar ou seguir, é o que há. Eventualmente, uma decisão, em nosso nome tomada, e, raramente, umas poucas sob nosso controle, mas quando pouco sabemos do destino.

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An American Prayer, Jim Morrison
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Business

A porta estava do outro lado da mesa. Ou melhor, a cadeira vazia estava no outro lado da sala. Sempre era assim. Sonhava em apenas aparecer e começar a falar. Podia chegar cedo e instalar-me no meu bunker. Não funcionaria.

Agora seguia. os olhos flutuando em algum lugar acima do seu corpo, apreciava o teatro. Alguns buscavam respostas. Outros, atores, imaginavam quando sairiam de cena. Alguns ensaiavam reprovação, qualquer que fosse o cenário.

Para cada face uma resposta, para cada ataque um movimento, para cada querer, uma esperança.

Agora, estavam todos ali. Imaginando o suspense. Apostando no tempo que levaria para a revelação, Disse bom-dia e notei, ao fundo da sala, uma gota de suor que atirando-se parecia me dizer: eu sabia, é o fim.

O irônico é que eu tinha uma resposta. Uma resposta arduamente computada. Uma resposta lógica, fria, imparcial, inquestionável, definitiva.

Mas agora não, ela já não existe. Todo rigor da lógica destruido nestes poucos passos, neste entrar no palco. Eis que só nos resta abrir a cortina, acender as luzes, retirar a maquiagem e devolver os ingressos.
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Retorno

Pátria Minha

Vinicius de Moraes


A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos…
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu…

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda…
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta que serás também”
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão…
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
“Pátria minha, saudades de quem te ama…
Vinicius de Moraes.”


Texto extraído do livro “Vinicius de Moraes – Poesia Completa e Prosa”, Editora Nova Aguilar – Rio de Janeiro, 1998, pág. 383.

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