Política e sociedade etc

Trampolim

Em tempos de eleição para prefeito, vejo o circular de mitos que cercam a eleição e que tentam direcionar os votos dos eleitores. Estórias implantadas na sociedade, verdades fabricadas que são argumento fácil a ser sacado pelo eleitores na justificativa do seu voto.

Como apontam diversos estudos científicos, em última instância todo processo de decisão tem a emoção como fator central. Desprovidos de emoção, somos fadados a prosseguir na análise, a insistir na busca de novos fatores, insatisfeitos com aquilo que foi ponderado até o momento. Isto não quer dizer, no entanto, que toda a análise cuidadosa é em vão, recaindo a dificuldade, como em muitos outros cenários, na escolha daquele caminho do meio entre a inação e a pura impulsividade.

Assim, é trabalho de toda a campanha circular aquelas estórias que forneçam a desculpa necessária ao voto, e que, preferencialmente evitem a análise mais cuidadosa que possa prejudicar o meu candidato.

Na minha cidade natal do São Salvador da Bahia de Todos os Santos, duas parecem ter especial relevância nestas eleições:

Uma é a do necessário apoio dos governos estaduais e federais para o desempenho do trabalho de prefeito. Implantando como grande competência nos tempos de ACM, o trabalho do avô fere agora as ambições do neto. É difícil para o novo ACM deixar para trás uma idéia cuja pior face foi concretamente observada pela população como resultado do ambiente hostil estabelecido entre o governo do estado e a prefeitura da capital, sob a tutela do velho ACM e da prefeita Lídice da Mata, respectivamente.
Sim, é possível cooperação civilizada entre visões políticas distintas em prol do bem comum, como parece ocorrer no Estado de São Paulo nas parcerias com o governo federal. Lá, no entanto, o debate político é mais maduro, tendo sido possível deixar para trás a política da vendeta, algo facilitado pelo ocaso do Malufismo. Mas em Salvador, com o carlismo ainda na briga pela eleição, é mais difícil apagar a idéia, ainda mais pelo grupo que foi o responsável pela sua disseminação e demonstração prática.

Outro mito frequente é o do trampolim político. A lógica é simples. Se o político se candidata a prefeito, mas tem olhos no governo do Estado, fará um bom governo para a cidade. A lógica é simples, mas falha. O seu governo buscará o melhor para a sua eleição futura e não necessariamente o melhor para a cidade. Um governo com olhos na próxima eleição privilegiará a publicidade, de resultado rápido em detrimento da educação, de resultado a longo prazo, longuíssimo quando lembramos que à prefeitura cabe o cuidado das crianças mais jovens. A comunicação, a percepção, têm, com muito maior frequencia do que seria desejável, maior impacto em uma eleição do que melhorias reais. O que vemos na TV, o que ouvimos no rádio, o que lemos no jornal, é comprovadamente capaz de nos dar a impressão de estamos mais seguros, mais bem educados e tratados, quando, de fato, tudo piora. Um candidato que vai estar “de passagem” pela cidade irá privilegiar o grande prédio público em detrimento da formação e valorização dos servidores públicos, dos processos duradouros de reestruturação administrativa. O foco na eleição estadual impedirá que interesses do interior do Estado sejam contrariados em defesa dos interesses da capital. Da mesma forma, as alianças formadas são aquelas que buscarão garantir os recursos necessários ao financiamento desta nova campanha. E estas, estando fora do alcance dos efeitos da administração local, precisam ser compradas a dinheiro.

Jaime Lerner, o gênio urbanístico feito prefeito de Curitiba, reconhecido e premiado nacional e internacionalmente, certa feita declarou que, sendo permitido pela lei, e assim desejado pelo povo, seria eterno prefeito de Curitiba. Talvez tenha sido este o segredo de seu sucesso.
Leitura recomendada: Duna, de Frank Herbert. Atenção especial às ações da Missionaria Protectiva das Bene Gesserit.

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Mensagem para turma de Engenharia

Ana Paula, Batoré, Bello, Boza, Bruno, Carioca, Cássia, Diego, Gago, Gustavo, Helder, Kelly, Lívia das Tattoos, Mara, Marcela, Marcos Gabriel, Mr. Kool, Paulo José, Pavan, Porkinho, Rodriguinho, e Zilza:

Vocês são barulhentos, pertubados, irriquietos mas…

Brilhantes,

amigos, unidos, determinados e felizes !

Não deixem nunca que tentem lhes convencer de que alegria e trabalho não combinam. Você sabem e provam que isto não é verdade.

Neste período longe das aulas, vou guardar com carinho a lembrança da amizade desta turma e a de cada um de vocês.

Tio Pinho

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Erros e acertos


Na recuperação de informação, duas medidas são as mais usuais para a avaliação da efetividade de ferramentas de busca: recall e precision.

O recall mede o percentual de objetos relevantes que foram recuperados por uma busca. A precisão, por sua vez, mede o percentual de elementos relevantes entre aqueles recuperados.

Num extremo, podemos ter um conjunto de apenas um elemento relevante: precisão 100 %, porem recall muito baixo. A medida que adicionamos novos elementos, o recall vai crescendo, mas, a depender da qualidade da ferramenta, às custas de menor precisão. No outro extremo, podemos ter um conjunto solução que é igual ao universo pesquisado. Neste caso, temos a certeza de recall 100%, mas com precisão mínima.

A qualidade do algoritmo faz diferença, não existindo algoritmo perfeito. No entanto, há consenso de que, a depender da aplicação, é razoável sacrificar precisão em favor de recall. Por exemplo, se buscamos descobrir todos os fabricantes de computadores americanos, é aceitável que uma pesquisa retorne alguns elementos não relevantes.

Tendo eu martelo, faço do programa Fome Zero prego e o analiso sob a ótica da recuperação de informação.

Partindo da existência de uma população a ser contemplada pelo programa, o programa deve buscar 100% de recall, i.e., atender a todos que atendam o critério do programa, e, ao mesmo tempo com alta precisão, não permitindo que aqueles que não fazem jus ao beneficio sejam inscritos no programa.

O importante nesta analogia é que a desenfreada busca de precisão pode ocorrer às custas de uma perda de recall. Quando uma reportagem de TV mostra a irmã do prefeito de não sei onde recebendo o beneficio do programa, o foco é exclusivo na precisão e o clamor é por maior controle.

Não ataco o controle, mas apenas um cego “maior” controle. Regras e mais regras certamente tem um impacto no recall, impedindo que muitos dos destinatários legítimos sejam atendidos.

A busca é, portanto de um melhor controle, e neste contexto – do programa Fome Zero – é importante se perguntar: o que é mais critico: pagar a quem não se deve ou deixar de atender a quem necessita ?

Ainda particular ao contexto do programa, é preciso ponderar que os custos marginais de inclusão de novos participantes é decrescente ( por diluir os custos fixos ) e que a adoção de medidas de controle tem custo em si mesmas. Ou seja, um programa de maior precisão pode, paradoxalmente, apresentar um maior custo por beneficiário (legítimo) que um programa mais inclusivo.

Tudo que disse até aqui nada tem de controverso, uma vez que você aceite a premissa do programa.

Agora vamos analisar os dois extremos. Um programa com suporte ministerial para atender uma única família é ridículo, vide as criticas aos programa do Primeiro Emprego : “Em março de 2004, o sistema eletrônico de acompanhamento dos gastos federais registrava um único beneficiário, um jovem contratado como copeiro por um restaurante de Salvador.”

No entanto, o extremo oposto pode ser interessante: pagar o benefício a todo mundo. Neste cenário, o Recall é 100%. O controle do programa desaparece, substituído apenas pelo controle de identificação e cidadania.

Como o dinheiro não surge do nada, os impostos teriam que ter aumento, possivelmente de forma que aqueles fora da população a ser beneficiada pelo programa passem a pagar imposto adicional no montante do benefício recebido.

Fica evidente que muito dinheiro estaria se movimentando sem efeito algum, pois, para muitos funcionaria assim: eu recebo um benefício e depois tenho que devolver ele todo em imposto. No entanto, o ganho está no uso de um infra-estrutura existente e necessária (de arrecadação de impostos), que de qualquer forma precisa passar por importantes mudanças: Pobres pagam 44% mais impostos do que ricos.

Isto, como diria o Suplicy, nada mais é que renda mínima.

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Zona de conforto

but the other guy is hungry, while you try to find your perfect solution

Usei esta frase enquanto discutia acerca do programa Fome Zero. Tenho quase certeza que ouvi este argumento em algum lugar, não lembro onde. Mas a frase é boa, e, neste caso, mais importante ainda, verdade.

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Story of Stuff


dica de Abreu
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What if a 911 call was run the same way the american health care system is


– Help ! A man invaded my house !
– Ok, Mam, do you have you safety insurance card from your SMO ( safety management organization ) ?
– Well, I can’t get it, the card is in the kitchen and the man is on the living room, I can’t go get it !
– Ok, let’s see if it is an emergency. what’s the man doing right now ?
– He has guns !!!
– Ok, but what is he doing ?
– Ohh, he is sitting on my lazy boy and watching a movie.
– Is the movie near the end ?
– No, it just started, I think.
– Well, so it is not an emergency.
– Wait, I found a copy of my SMO insurance card…
– Ok, what’s the number of your policy ?
– 987-654-321
– Ok, wait a second while I check your policy…
– Please hurry, he finished a beer, and I am afraid he might do something now. I think he has a grenade.
– Oh, it looks like here that you have a pre-existing condition of having forgot to lock the door of your car on a shopping mall, so I cannot dispatch a car for burglary, has he done anything else other than get inside and drink your beer ? rape anyone ? hurt your dog ?
– Can’t you just dispatch the car ? I am scared, the guy is grabbing things from the coffe table and throwing all over the place, it is scary !!!
– I can, do you agree to pay any cost involved in case your SMO would not cover the cost ?
– How much is that ?
– We couldn’t tell. If the officer needs back-up, it could be a really high cost. There are also the cost with bullets, you know.
– Oh, my neighbor is a cop, can’t you locate his phone number ? call him ?
– Mam, that is not approved procedure, no SMO would cover that kind of procedure. There is no evidence that this kind of procedure can solve your problem.
– Haaaa ! the guy just shot the DVD player !!
– Is he still watching the movie ?
– Yes, it on cable, for god’s sake. Just send this car any how, I might die around here !!!
– Ok, I will need a deposit of USD5000.00. You can pay by Visa, Mastercard, or we can wait for a personal check on the mail…
BaM !!! BaM !!!
Tuu…Tuu…Tuu…Tuu…

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Comprando sujeira

Finalmente retirando este blog do seu estado vegetativo, mas tentando resistir à tentação de entradas no estilo “estou longe de casa e tudo é tão diferente”. Mas, enfim….

Como em Roma, faça como os romanos, e, assim, passando numa perfumaria perguntei por algum produto para passar nos cabelos e deixa-los mais administráveis. Minha juba é fina e com o tempo seco, estática etc costuma caminhar para todos os lados.

Explico meu problema e aceito a sugestão da vendedora: You should try a texturizing paste.

Pago, recebo o embrulho e vou embora. Nada de diferente do que poderia me acontecer em casa. Só quando vejo a descrição do produto na embalagem que algo me diz que o capitalismo aqui é um pouco mais avançado:

Dirt Texturizing Paste®
This non-greasy, non-sticky, water-based texturizing paste is infused with lemongrass essential water to add instant manageability to hair. Sweet almond protein helps to repair and strengthen as white tea, almond, horsetail, and nettle extracts nourish, stimulate, and condition. A potent antioxidant blend of natural plant botanicals combined with a UV filter work to protect hair and prevent color fading.

Jonathan on Dirt: “Clients often ask me to style their hair to look like it does the ‘day after’ a cut – sexy, manageable. So I decided to create a product to achieve that look even on clean hair. And I named it Dirt. It’s a clean way to get the look and feel of ‘day-after’ hair. Play with it. Mold, chunk, separate, add texture. Have fun.”

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Classe Media Cansada

Classe Média
Max Gonzaga

Composição: Max Gonzaga

Sou classe média
Papagaio de todo telejornal
Eu acredito
Na imparcialidade da revista semanal
Sou classe média
Compro roupa e gasolina no cartão
Odeio “coletivos”
E vou de carro que comprei a prestação
Só pago impostos
Estou sempre no limite do meu cheque especial
Eu viajo pouco, no máximo um pacote cvc tri-anual
Mais eu “to nem ai”
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não “to nem aqui”
Se morre gente ou tem enchente em itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Mas fico indignado com estado quando sou incomodado
Pelo pedinte esfomeado que me estende a mão
O pára-brisa ensaboado
É camelo, biju com bala
E as peripécias do artista malabarista do farol
Mas se o assalto é em moema
O assassinato é no “jardins”
A filha do executivo é estuprada até o fim
Ai a mídia manifesta a sua opinião regressa
De implantar pena de morte, ou reduzir a idade penal
E eu que sou bem informado concordo e faço passeata
Enquanto aumenta a audiência e a tiragem do jornal
Porque eu não “to nem ai”
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não “to nem aqui”
Se morre gente ou tem enchente em itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Toda tragédia só me importa quando bate em minha porta
Porque é mais fácil condenar quem já cumpre pena de vida

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Seres superiores

Ano Estelar 8564

A Santíssima Trindade materializou-se em humanidade. Depois da inviabilidade do Sistema Solar, nos dividimos em três arcas, cada qual com destino a uma próxima estrela. Cada qual com seus modelos e soluções. Não nos falamos, não trocamos mensagens. Nem mesmo sabemos se ainda são. Se um sistema falhar e exterminar uma das arcas, este sistema já não estará em uso nas demais. Se alguem, em uma das arcas tem alguma idéia brilhante, nós não saberemos e assim não correremos os riscos de sermos mortos por ela. Como aconteceu na velha Terra.

Estruturas, algoritmos, mercados e governo. Tudo diferente. Só não sei como seriam os demais. Todos os participantes do Projeto com acesso a informações de mais de uma arca fizeram votos e ficaram pra trás, aguardando a morte entre anéis de Saturno e monolitos de Júpiter.

Não conheço os demais, mas sempre acreditei na perfeição do nosso sistema. Seres superiores, especialmente talhados para a tarefa de dirigir nossa vida , geneticamente modificados para serem olhos e ouvidos e quase nada mais, vivem numa nave que nos escolta e nos observa. Sem contato conosco ou prazeres, a tudo tem acesso, tudo podem ver e escutar, e assim , regulam as nossas atividades. a produção de alimentos, o controle da qualidade do ar, o escalonamento de tarefas, as horas de sono permitidas, tudo isto cabe ao conselho supremo, que determina e nos deixa tranqüilos. A cada dia, pode-se viver com a certeza de que o pouco que dormi não foi para atender a interesses mesquinhos, dormi pouco pois isto é o melhor, cientificamente determinado, para a sobrevivência da nossa nobre arca.

Mas, de sua câmara, incapaz de sentir cheiros ou toque ou frio ou calor, eternamente sustentado e alimentado pelo liquido que o envolve, um supremo tremeu. Não era a primeira vez que ele deveria direcionar um ser humano para a morte. O espaço é um ambiente hostil. Estamos a 5 anos luz de casa e sem peças de reposição. Morre um, mas salvam-se os demais. A morte seria terrível, exposição ao de mais tóxico que nossa arca carrega. A beleza para sempre destruída. O seu tremor não fora pudor em relação à morte. Não faz parte do seu trabalho tê-lo. Cabe a ele decidir o melhor a fazer, imparcial, perfeito, eterno. E tremia por se saber, pela primeira vez, incapaz. Tremia de amor por aquela beleza de formas perfeitas. Conhecia cada canto dela. Tinha visto cada um dos seus banhos, conhecia todos os seus pelos. Sonhava com seu riso, morria com seu choro. E morta ela está, mas seu corpo preservado pelo frio, velada pelos grandes olhos do supremo. Ele, intocável, sobreviverá em sua nave até o fim dos seus dias, velando a perfeição congelada.

De nós, resto apenas eu. Os demais se foram de morte violenta, em nome de um amor que não era seu. Esquecidos por aquele que mais os conhecia.

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