Outras Coisas: Pintura Moderna como um Símbolo

Nosso ponto de partida é o fato psicológico de que o artista sempre foi o instrumento e o interprete do espírito de sua época. Em termos de psicologia pessoal, sua obra só pode ser parcialmente compreendia. Consciente ou inconscientemente, o artista dá forma a natureza e aos valores da sua época que, por sua vez, são responsáveis pela sua formação.

O artista moderno muitas vezes reconhece, ele próprio, a inter-relação entre sua obra de arte e a sua época. Assim escreve a respeito o crítico e pintor francês Jean Bazaine em suas Notas sobre pintura contemporânea: “Ninguém pinta como quer. Tudo que o pintor pode fazer é querer com todas as suas forças, a pintura que sua época é capaz.” E declara o artista alemão Franz Marc, morto na 1º Grande Guerra: “Os grandes artistas não buscam suas formas nas brumas do passado, mas sondam tão profundamente quanto podem o centro de gravidade recôndito e autêntico da sua época.” E, já em 1911, Kandinsky escrevia em seu famoso ensaio A Propósito do Espiritual em Arte: “Cada época recebe sua própria dose de liberdade artística, e nem mesmo o mais criador dos gênios consegue transpor as fronteiras desta liberdade.

Os artistas, como os alquimistas, provavelmente não se deram conta do fato psicológico que estavam projetando parte da sua psique sobre a matéria ou sobre objetos inanimados. Daí a “misteriosa animação” que se apossa destas coisas e o grande valor que se atribui até mesmo aos detritos. Os artistas projetavam suas próprias trevas, sua sombra terrestre, um conteúdo psíquico que tanto eles quanto sua época haviam perdido e abandonado.

Franz Marc disse um dia: “A arte do futuro dará expressão formal às nossas convicções científicas.” Foi uma afirmação profética. Já observamos a influência que exerceram sobre os artistas, nos primeiros anos do século XX, a psicanálise de Freud e a descoberta (ou redescoberta) do inconsciente. Outro ponto importante foi a relação entre a arte moderna e os resultados obtidos na pesquisa nuclear.

Em termos simples, não científicos, a física nuclear despojou as unidades básicas da matéria do seu caráter absolutamente concreto. Tornou a matéria misteriosa. Paradoxalmente, massa e energia, onda e partícula provaram sua permutabilidade. As leis de causa e efeito mostraram-se válidas apenas até certo ponto. Já pouco importa que todas as relatividades, descontinuidades e paradoxos só se apliquem aos limites extremos do nosso mundo, o infinitamente pequeno (o átomo) e o infinitamente grande (o cosmos). Provocaram uma mudança drásticas no conceito de realidade, pois uma realidade nova, e irracional e totalmente diferente, surgiu por trás da realidade do nosso mundo “natural”, regido pelas leis da física clássica.


Só alguns poucos artistas tomaram consciência da relação existente entre sua forma de expressão e a física e a psicologia. Kandinsky é um dos mestres que expressou a profunda emoção que lhe despertaram as primeiras descobertas da física moderna. “No meu espírito, o colapso do átomo foi o colapso de todo um mundo: de repente tombaram as minhas mais firmas muralhas. Tudo se tornou instável, inseguro e sem substancia.

Esta ruptura com o mundo das coisas aconteceu mais ou menos ao mesmo tempo com outros artistas. Escreve Franz Marc: “Não aprendemos, depois de milhares de anos de experiências, que as coisas falam cada vez menos quando lhes damos a precisão ótica de um espelho? A aparência será eternamente pobre de relevos…?

Para Marc, o objetivo da arte era “revelar a vida sobrenatural que existe por detrás de tudo, quebrar o espelho da vida para que se possa contemplar o verdadeiro rosto do ser”. E escreve Paul Klee: “O artista não atribui às formas naturais do universo aparente a mesma significação convincente dos realistas que o criticam. Ele não se sente intimamente ligado a esta realidade porque não consegue ver nos produtos formais da natureza a essência do processo criador. Está mais interessado nas forças formativas do que nas formas que estas forças produzem.Pietr Mondrian acusou o cubismo de não ter perseguido a abstração até sua conclusão lógica, “a expressão da realidade pura”. Isto só se consegue com a “criação da forma pura”, livre de sentimentos e idéias subjetivas. “Por detrás das mudanças das formas naturais existe a realidade pura, que não muda jamais.

Um grande numero de artistas tentou passar das aparências à realidade de um segundo plano, ou ao “espírito da matéria”, por um processo de transmutação dos objetos – através da fantasia, do surrealismo, das imagens oníricas, do acaso etc. Os artistas “abstratos”, no entanto, voltam as costas aos objetos. Seus quadros não continham objetos identificáveis, eram segundo expressão de Mondrian, nada mais que “pura forma”.

Nenhum artista sentiu esse segundo plano místico da arte mais agudamente ou falou a seu respeito com paixão mais intensa do que Kandinsky. A importância das grandes obras de arte de todos os tempos não repousa, a seu ver, “na superfície, no exterior, mas na raiz das raízes – no conteúdo místico da arte”. E por isto afirma: “O olho do artista deveria estar sempre voltado para sua vida íntima, e seu ouvido sempre alerta à voz da necessidade interior. É o único meio para dar expressão ao que a visão mística comanda.

Kandinsky descrevia seus quadros como uma expressão espiritual dos cosmos, uma musica das esferas, uma harmonia de cores e formas. “A forma, mesmo quando abstrata e geométrica, tem uma ressonância interior; é um ser espiritual cujas qualidades coincidem exatamente com aquela forma.” “O impacto do ângulo agudo de um triangulo com um circulo tem um efeito tão surpreendente quanto o dedo de Deus tocando o dedo de Adão, em Michelangelo.

Em 1914, Franz Marc escreveu em seus Aforismos: “A matéria é um assunto que o homem consegue, no máximo, tolerar; ele se recusa a reconhecê-la. A contemplação do mundo tornou-se a penetração do mundo. Não existe místico que, nos seus momentos de êxtase mais sublime, jamais alcance a abstração perfeita do pensamento moderno, ou que ausculte as suas ressonâncias com sonda mais profunda.

Paul Klee, que podemos considerar o poeta dos pintores modernos, diz: “É missão do artista penetrar o mais fundo possível naquele âmago secreto onde uma lei primitiva sustenta o seu crescimento. Que artista não desejaria habitar a fonte central de todo movimento espaço-tempo (esteja ele situado no cérebro ou no coração da criação), de onde todas as funções extraem a sua seiva vital? Onde se esconde a chave secreta de todas as coisas ? No ventre da natureza, na fonte original de toda a criação?… Coração a palpitar, somos levados cada vez mais apara baixo, em direção a fonte primeira.” E o que encontramos nesta jornada “deve ser levado muito a serio, desde que , combinado integralmente com os meios artísticos apropriados, desabroche em estrutura”. Porque, como acrescenta Klee, não é apenas questão de reproduzir o que se vê, mas de “tornar visível tudo o que se percebe secretamente”. Toda obra de Klee se inspira e se fixa diretamente nesta fonte original das formas. “Minha mão é, inteira, o instrumento de uma esfera distante. E também pouco é minha mente que age; é alguma outra coisa”.

Trechos do Livro O homem e seus símbolos, por Carl G. Jung
Texto de Aniela Jaffé

Fotos de Izolag
Indicação do texto e fotos, Ananda

Posted by Roberto de Pinho

5 comments

No Gods, please.

Psicose por psicose, fico com a de Lacan. Refiro-me ao Seminário 23, O Sintoma, com seu estudo acerca da obra de James Joyce (metapsicose? rs). Um seminário difícil, possivelmente o mais deteriorado do inescrutável Lacan. Vou procurá-lo, encontrá-lo e namorá-lo até 2008, quando pretendo estar mais madura (mas sem carbureto) para encarar o desafio.

Lerei logo mais o texto com mais cuidado e procurarei fazer, se necessário, um comentário curto e objetivo. :o)

Acho que perdi o comentário que ia fazer acerca do texto.

Resumindo: Este livro, eu o tenho. É o mais sensacionalista de Jung. Capa coloridinha, mandalas, e conteúdo perigosamente místico. Como todos os textos de/sobre Jung, começa bem e termina desastrosamente.

Do you some of the real stuff? Try Lacan.

P.S.: Sobre as coisas… Gotcha.

Estes lacanianos não tem o menor senso de humor…

De facto a natureza humana e a sua interacçao com o Universo e o busilis do sentido da vida humana, realmente o que vemos e apenas o reflexo do espelho, e tempo de procurarmos mais alem, e entendermos as versatilidades da forma e espaço da essencia da vida. Dali andou perto mas perdeu-se no delirio.
Gio

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